Trapaceiros
Ricardo Pereira
Em “Vigaristas de Bairro”, Woody Alen interpreta o atrapalhado lavador de pratos Ray Winkler, um ex-presidiário convencido de que planeou um crime perfeito, o que solucionaria seus problemas financeiros e atenderia às ambições sociais de sua esposa Frenchy (a óptima Tracey Ullman), uma ex-stripper que, actualmente, trabalha como manicure. A ideia de Ray, a ser perpetrada com a ajuda de alguns dos comparsas mais burros da história do cinema, é alugar uma floricultura abandonada e, de seu porão, cavar um túnel até o banco vizinho. Mas o inesperado acontece. A loja de bolos (preparados por Frenchy) que está a servir de fachada para a actividade criminosa começa a dar certo, muito certo, enquanto que o plano de Ray literalmente vai por água abaixo. Na segunda parte do filme, acompanhamos a vida do casal como milionários e seus desdobramentos. Nessa metade, Allen evoca histórias clássicas como Pigmalião e “Born Yesterday” (Frenchy contrata um marchand, vivido por Hugh Grant, para adquirir cultura), intensifica a sátira social e brinca com a própria imagem de sofisticado e intelectual. Na parte final, que apesar de menos coesa é a mais engraçada, vemos Woody Allen tentando roubar um colar durante uma festa, numa versão desastrada de “To Catch a Thief” de Alfred Hitchcock. Brilha também a estrela da comediante e também realizadora Elaine May, que rouba o filme num personagem a princípio bastante cliché, uma prima de Frenchy completamente imbecil. O filme encontra um desfecho algo abrupto, mas coerente, inspirado em comédias românticas dos anos 30/40. Se não podemos enquadrar “Vigaristas de Bairro” entre os melhores momentos da carreira de Allen, mesmo entre suas comédias puras, podemos considerar que trata-se inegavelmente de um bom filme, com um humor agradável que supera seus defeitos, como uma já apontada falta de coesão narrativa e o desaparecimento repentino de alguns personagens. Também chama atenção o trabalho do director de fotografia chinês Zhao Fei, que a partir do filme anterior, “Sweet and Lowdown”, passou a injectar na tela cores vivas quase sempre ausentes dos filmes de Allen. Mas há que se destacar que há muito tempo o Woody Allen ator não estava tão bem, dando vazão ao seu lado de comediante, com um tipo simplório, diferente de seu intelectual em crise habitual. Existe uma tendência natural de cobrarmos que todo grande realizador faça sempre obras-primas. Entretanto, assim como são apreciados pelo nosso paladar pratos requintados de restaurantes caros, é igualmente delicioso um simples bolinho, como este que Woody agora nos oferece.
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