Que estranho é este?
Carlos Natálio / www.ordet1.blogspot.com
Não é difícil de perceber a razão pela qual os últimos filmes de Woody Allen têm sido recebidos com distância pelo público que os tinha incorporado como extensão «intelectual» de um gosto mainstream que alegremente aligeirava tiques sociais, truques da vida urbana, convertendo-os em deliciosas psicopatias. Falamos claramente da sua fase post SWEET AND LOWDOWN (1999), em que Allen ganhou consciência do seu próprio estilo e o que isso era capaz de fazer às pessoas. Desse encontro público/cineasta produziram-se obras mais despertas para a função comercial da marca Woody onde este programou, com sucesso diga-se, o improgramável: a veiculação erudita de um «defeito» de personalidade, ou por outra, um hipocondríaco que sabe sê-lo. Contudo, quem viu obras como MANHATTAN (1979), HANNAH AND HER SISTERS (1986), ANOTHER WOMAN (1988), sabe que o universo do cineasta é bem mais multifecetado, bem mais marcado por uma tristeza visível, do que os seus fãs poderiam conceber.
Não há tristeza em YOU’LL MEET A TALL DARK STRANGER. Há o contrário disso. Há uma alegria contida pela diversidade, pela ausência de sentido que a vida, e os filmes nela, podem e devem contrariar. A razão de ser desta baixa de popularidade de Allen entre o grande público não permite aplicar o chavão do envelhecimento, dos filmes feitos em série, etc. Ou melhor, permite trazer o envelhecimento como momento onde os filmes de Woody Allen largam a programação da gargalhada e enveredam por uma comédia subtil onde o sorriso substitui o riso, e sobretudo onde se inverte o centro da cinematografia de Allen: pela primeira vez, a «illusion» substitui a «medicine». Essa frase, que abre e fecha YOU’LL MEET A TALL DARK STRANGER, é uma espécie de fio condutor de uma visão, que de fora soa a nihilista e põe na condescendência, no esforço por «ficar bem», a tónica dos seus filmes.
Note-se: a relativização é, e sempre foi, uma estratégia de comédia. E nisto, Woody Allen não fugiu nunca à regra. Contudo, a relativização deixa de ser aqui ou em WHATEVER WORKS (2009) apenas veículo de transformação do sério em gag, convertendo-se ele próprio em gag da vida, em statement moral, ainda que não moralista. E é excepcional perceber que a maturidade a Woody Allen lhe trouxe a ideia de que a vida, sem arranjo, sem ordenação é já stand up comedy, que não existe distinção entre o mundo e a ridicularização do mundo. O mundo já é a sua comédia.
Habituados que estávamos ao desfile paranóico de Allen, como lidar com a sua serenidade, com esta ausência de impermanência afectiva? Não é só por uma questão de facilidade que os filmes de Woody Allen são hoje friamente recebidos. Uma das razões é que, em nosso entender, a «mensagem sábia» da relativização final, do placebo melhor que o remédio, é vista pela maioria de nós, com menos de 76 anos, como um ponto de vista venerável mas que resiste a ser compreendido a partir do seu interior. Por isso, aos nossos olhos, são Helena (Gemma Jones), no seu consolo astral, e Alfie (Anthony Hopkins), no seu consolo carnal, as personagens mais interessantes de YOU’LL MEET. Os mais novos, Watts/Brolin/Banderas/Pinto fazem todos de uma mesma máquina em pane do qual Allen parece já ter saído, de corrida atrás da própria cauda. Por isso, a extraordinária cena especular em que Roy Channing apanhando-se finalmente do lado de cá da janela olha da mesma forma ansioso para a janela da sua ex-mulher.
Todos erram. Os primeiros como condição de caracterização de uma etapa vivencial. Os segundos, finalmente, com certeza. É essa certeza, num cinema que sempre viveu da dúvida, que é hoje, ainda, a nós difícil de acomodar.
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