Uma questão de perspectiva
Gonçalo Sá - http://gonn1000.blogspot.com
Há quem acuse Woody Allen de ter entrado numa fase pouco criativa e demasiado repetitiva, com recurso constante aos mesmos ambientes, personagens-tipo e referências. De facto, os seus últimos filmes não têm marcado propriamente pela surpresa, embora contenham traços de eficácia - os diálogos, sobretudo - que permitem ignorar, pelo menos parcialmente, alguma insistência na auto-citação. "A Vida e Tudo o Mais" ("Anything Else"), de 2004, foi talvez o mais refrescante filme do realizador nos últimos anos, convocando o par Jason Biggs/Christina Ricci para uma bem-conseguida comédia romântica. "Melinda e Melinda" ("Melinda and Melinda"), a sua nova obra, apresenta uma premissa diferente do filme anterior e aposta na exploração das peripécias de uma personagem - Melinda - segundo duas perspectivas: uma tendencialmente cómica, outra baseada numa vertente mais dramática.<BR/><BR/>O cinema de Allen sempre conciliou, com maior ou menor intensidade, estas duas componentes, por isso "Melinda e Melinda" não traz nada que o realizador não tenha já abordado. De resto, a história cómica de Melinda adquire, aos poucos, episódios mais dramáticos, enquanto que a história inicialmente trágica incorpora, a espaços, momentos de humor. Esta interligação, quase inevitável na filmografia do cineasta, já não é propriamente uma novidade, mas tal não seria problemático para "Melinda e Melinda" caso o ponto de partida fosse trabalhado com consistência e uma forte carga inventiva. Contudo, esta(s) história(s) de uma mulher emocionalmente vulnerável que encontra algum calor humano ao interromper um jantar de amigos e vizinhos - naturalmente, ligados ao meio artístico -, que até começa de forma promissora, não gera muitas surpresas ou particular envolvência.<BR/><BR/>O tipo de personagens de "Melinda e Melinda" segue a linha habitual de Allen, ou seja, são neuróticas q.b., vivem amores desencontrados e encontram-se algo desorientadas. <BR/>O problema é que nenhuma suscita muita empatia ou complexidade, em parte porque não há nenhuma que seja muito explorada, com eventual excepção da(s) protagonista(s). É pena, porque no vasto elenco há actores que mereciam personagens mais fortes e consistentes - Chloë Sevigny (sempre apelativa, ainda que subaproveitada), Amanda Peet, Chiwetel Ejiofor ou mesmo um irregular Will Ferrell -, mas que aqui mais não são do que figuras bidimensionais e pouco carismáticas. A protagonista Radha Mitchell é competente, mas Melinda - tanto na vertente cómica como na dramática - não é uma personagem especialmente aliciante, e por isso o filme nunca chega a conquistar.<BR/><BR/>Claro que, sendo "Melinda e Melinda" produto da criatividade de Woody Allen, contém ainda episódios cativantes e divertidos, com cenas bem-escritas e profissionalmente filmadas, mas o resultado final é demasiado fragmentado e inconstante.<BR/><BR/>O filme é geralmente agradável de seguir, mas pouco mais do que isso, nunca efectuando muitos desvios a uma rotina que tem marcado a obra recente do realizador. <BR/>"Melinda e Melinda", apesar de algumas tentativas de inovação na forma, acaba por ser mais do mesmo em termos de conteúdo e apresenta Woody Allen em piloto automático, sem grandes ousadias ou rupturas. No entanto, esta opinião poderá variar e ser contrariada, mediante o ponto de vista, pois as formas de perspectivar uma história são, como o filme demonstra, múltiplas e abrangentes. Classificação: 2,5/5 - Razoável.
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