Críticas dos leitores

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Lavagante

Lavagante

Fernando Oliveira

“Lavagante” é uma novela de José Cardoso Pires publicada em 2008, dez anos após a morte do autor. Agora, no centenário do seu nascimento, é um belo filme de Mário Barroso a quem Paulo Branco pediu para pegar no argumento ainda escrito por António-Pedro Vasconcelos.

Neste melodrama que resvala inevitavelmente para o trágico, a história que no livro é contada no pós-guerra é mudada para o início dos anos sessenta, as revoltas estudantis e a sua repressão, o começo da guerra nas colónias, a censura e as perseguições politicas, os ambientes tristes, melancólicos, “envenenados” por tudo isto.

E é muito bela, mesmo na sua tristeza, a forma como o realizador entrelaça a história de amor entre um médico antifascista e uma jovem estudante universitária vinda da burguesia rural do norte e o “caminhar” da história do país. Sabe agarrar o ar do tempo e das gentes que o habitavam. É por isso muito inteligente a escolha de uma fotografia a preto-e-branco que prende os personagens ao cinzento do dia-a-dia, que lhes sublinha o medo e a descrença. E também porque a História desses anos é-nos contada a preto-e-branco: são quase todas assim as imagens que dele temos.

E depois há as rimas entre a história de Daniel e Cecília (os amantes) e os arrebatamentos operáticos da “Tosca” de Puccini ou a melancolia do fado; entre os estremecimentos da sua paixão e a violência das ondas do mar. E há as palavras, tanto nos diálogos em que Daniel e Cecília se enamoram, de sedução, como na forma como a história nos é contada, a narração dentro da narração que nos traz à memória o film noir clássico americano, o balancear entre a verdade e o que a memória recria.

E os actores estão todos muito bem: Francisco Froes e Júlia Palha, ela muito bem como uma mulher suavemente misteriosa e com uma sensualidade “distante” que a põe em perigo pelo desejo dos homens (outra vez o noir); Nuno Lopes e Leonor Alecrim, como os amigos, cúmplices na luta contra o regime, testemunhas desta história; e Diogo Infante, como o inspector da PIDE que deseja Cecília, um homem que sabe sem dúvidas que é ele que detém o poder.

Mário Barroso, que também é o responsável pela fotografia, dá ao filme uma intensidade perturbante, pinta os detalhes da época com inteligência e, acima de tudo, sabe sublimar aquele amor como se contado numa ópera. Como na “Tosca”. Porque no fim os destinos de Tosca e Cecília abraçam-se. É um filme muito triste, mas é também muito bom Cinema. (em "oceuoinfernoeodesejo.blogspot.com")

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Urchin - Pelas Ruas de Londres

3 estrelas

José Miguel Costa

“Urchin”, primeira longa-metragem do actor britânico Harris Dickinson (também responsável pelo argumento – e tudo isto tendo apenas 29 anos), coloca-nos perante Mike (Frank Dilane), um jovem adulto em situação de sem-abrigo nas ruas de Londres (sem qualquer rede relacional de suporte), com problemas de adição tóxica e potencial doença psiquiátrica, que (sobre)vive do (escasso) apoio institucional, mendicidade e pequenos delitos.

Acompanhamo-lo (sem paternalismos e/ou juízos de valor, num registo que recusa o voyeurismo miserabilista) no período pós-tentativa de reintegração social (mais uma, entre muitas outras falhadas no passado), aquando do término do cumprimento de uma curta pena de prisão.

Esta obra elogiada, pela generalidade da critica especializada (inclusive, foi galardoada no Festival de Cannes com o Prémio FIPRESCI da crítica internacional), não me tocou "por aí além”, apesar de ancorada na tradição do cru e austero realismo social britânico (género do qual sou fã confesso). Talvez devido ao facto da narrativa oscilar num limbo entre o documentário encenado e a ficção trágico-cómica (dando a sensação de limitar-se à simples junção de uma série de situações episódicas), subtraindo-lhe, desse modo, alguma “verdade”/densidade dramática.

Destaca-se a performance frenética e magnética do Frank Dilane, cujo ambivalente/"bipolar” personagem ao qual deu corpo (e muita alma!) lhe valeu uma distinção no Festival de Cannes. @jmikecosta

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Com a Alma na Mão, Caminha

War, War, War

J.F. Vieira Pinto

Bob Marley, já era perentório: “Until the philosophy which hold one race superior And another inferior Is finally and permanently Discredited and abandoned Everywhere is war Me say war”.

O que muda desde 1976, ano de lançamento do tema: nada! As desculpas sobre uma guerra muda dependendo das “necessidades" do momento. A história da palestiniana Fatma e filmada pela iraniana Sepideh Farsi é uma necessidade extrema de mostrar tudo para que todos possam fazer o seu juízo sobre este genocídio. Resta saber se estamos “realmente” interessados em saber…Assobiar para o lado, não ajuda, de todo.(***)

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O Agente Secreto

Péssimo filme

Elisabete

Muito mau filme, em peno séc. XXI nunca vi nada assim. Nem sei classificar que tipo de filme é... Cenário, personagens, elenco, história, tudo mau.

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Pequenos Clarões

4 estrelas

José Miguel Costa

O filme "Pequenos Clarões”, escrito e realizado pela espanhola Pilar Palomero, é um intimista drama familiar naturalista impregnado de uma subtileza emocional extrema, apesar de abordar uma temática que facilmente poderia resvalar para o sentimentalismo, o luto pré-morte (iminente) de um ente querido.

Sem qualquer manipulação emocional e abdicando de catarses dramáticas ou lacrimejantes flasbacks explicativos da situação presente (nada saberemos do passado em comum dos personagens), somos colocados perante uma espécie de processo de rearranjo afectivo de uma mulher (Patricia López Arnaiz, galardoada com a Concha de Prata para Melhor Interpretação no Festival de san Sebastian) que, a pedido da filha, irá acompanhar os últimos dias de vida do moribundo ex-marido (Antonio de la Torre), com o qual não mantinha qualquer contacto desde há cerca de 15 anos.

O lamber das respetivas feridas (encaradas sem medos), o gradual mecanismo de reconciliação e o inerente perdão (sem necessidade de recorrer a reflexões profundas - há silêncios e olhares que as substituem com eficácia) decorre com serenidade e naturalidade, comprovando, deste modo, a velha tese "por vezes, o menos é mais".

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Um Amor Extraordinário

“Um Amor Extraordinário”: quando o amor não cede

Vanderlei Tenório

Certas doenças entram na casa como quem empurra a porta sem pedir licença. Não fazem barulho ao chegar, mas deixam tudo em suspensão, como se o ar tivesse ficado mais pesado. O cancro da mama é uma dessas presenças intrusas.

Em Portugal, a estatística repete-se todos os anos com a pontualidade cruel de uma maré que nunca falha. Detectam-se cerca de 9.000 novos casos por ano e mais de 2.000 mulheres morrem, números que insistem em recordar que esta é, entre as mulheres, a neoplasia mais frequente e a principal causa de morte por cancro.

Uma em cada 20 mulheres em todo o mundo será diagnosticada com cancro da mama ao longo da vida, e uma em cada 70 acabará por morrer devido à doença. É o que indica um estudo publicado na prestigiada revista científica Nature Medicine.

Se as tendências actuais se mantiverem, até 2050 surgirão 3,2 milhões de novos casos e 1,1 milhão de mortes por ano, com um aumento desproporcionado nos países com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O levantamento revela ainda que a maioria dos casos e óbitos ocorre em mulheres com 50 anos ou mais, representando 71% dos novos diagnósticos e 79% das mortes.

É a face numérica de um abalo profundo num dos símbolos mais íntimos do corpo feminino, essa espécie de território afectivo onde se mistura maternidade, identidade, desejo e fragilidade, e onde cada diagnóstico abre uma fissura que atravessa a casa inteira.

É talvez por isso que certas histórias de amor ganham outra gravidade quando o cancro se senta no centro da mesa. "Um Amor Extraordinário", esse filme discreto que à primeira vista passa por um drama de meia-idade, transforma-se, quando olhado com vagar, num retrato de dupla paisagem: a do corpo em luta e a do quotidiano que insiste em continuar, mesmo remendado.

Não é um filme sobre o cancro, ainda que tudo gire à sua volta. É antes uma crónica doméstica de duas pessoas que aprenderam a navegar juntas os silêncios, os medos e a estranha ternura que cresce quando o futuro deixa de ser uma promessa e se torna apenas a próxima manhã. A primeira vez que vi o filme, fiquei em casa com uma sensação estranha, quase desconfortável. Não era apenas tristeza, nem medo, mas a percepção de que, de repente, o mundo parecia mais próximo e frágil, como se a respiração de cada pessoa se tornasse audível.

Joan e Tom, interpretados com uma intimidade quase física por Lesley Manville e Liam Neeson — talvez um dos seus melhores papéis dramáticos — são um casal de meia-idade na Irlanda do Norte. À primeira vista, não há nada de extraordinário neles. Vivem numa casa comum, têm rotinas comuns e discutem banalidades, como a que horas caminhar ou se o Fitbit realmente sabe que se está a caminhar.

Mas é precisamente nesta banalidade que reside a força do filme, porque o texto de Owen McCafferty mostra que o extraordinário não é necessariamente aquilo que rompe, mas aquilo que persiste: o amor quotidiano, os gestos minúsculos de cuidado e a paciência de quem permanece ao lado de quem sofre. Às vezes basta isto, duas pessoas a discordarem suavemente sobre cervejas, sopas, passos e cuidados enquanto tentam adiar o inevitável.

Quando Joan descobre o nódulo, a vida entra naquela fase em que tudo parece normal, mas já não é. Tom diz que provavelmente não será nada, porque os homens gostam de acreditar que as palavras têm poder curativo. Mas os exames começam a montar um cenário diferente, e eles seguem juntos, embora cada um por dentro avance sozinho.

O diagnóstico abre um corredor estreito onde não cabem certezas e onde o amor precisa de se reinventar todos os dias. O hospital, esse outro palco onde tantas histórias se cruzam sem nunca se tocarem, torna-se o cenário recorrente. Há o frio das salas de espera, o estalo mecânico das máquinas, a coreografia quase absurda de filas para pagar o estacionamento depois de receber notícias que mudam o rumo de uma vida.

É nestes pormenores, tão banais quanto brutais, que o filme encontra o seu território mais verdadeiro, o monumental e o mundano convivendo na mesma respiração. É também aí que surgem pequenas alianças inesperadas. Joan encontra cumplicidades entre outras mulheres que passam pela mesma jornada, e partilha sorrisos ocasionais com quem percebe o horror da queda de cabelo ou o desalento das longas horas de espera.

Tom, por seu lado, descobre que a solidão do acompanhante é uma solidão plural, habitada por homens que tentam ser fortes sem saber exatamente o que isso quer dizer. Há, em todos eles, uma humanidade desarmada que o filme observa com curiosidade simples, quase generosa.

A realização de Lisa Barros D’Sa e Glenn Leyburn trabalha este mundo com precisão que nunca soa clínica. Há uma intimidade que lembra certos dramas europeus, onde a câmara parece querer proteger as personagens em vez de as expor. A fotografia alterna entre a delicadeza doméstica e a arquitetura impessoal dos hospitais, criando um contraste que ecoa o percurso emocional do casal.

A banda sonora funciona como um sussurro, qualquer coisa entre embalo e murmúrio, sempre a tentar que o espectador respire um pouco melhor. E depois há Lesley Manville. Há atrizes que carregam no rosto aquilo que não se pode pôr em palavras, e ela é uma delas. Há um momento, durante um exame, em que vemos medo e aceitação a cruzarem-se no mesmo olhar, como duas marés que não se anulam. É um daqueles instantes que ficam, porque reconhecemos ali algo que não queremos nomear, mas sabemos que existe.

A verdade é que, para além das estatísticas e dos argumentos médicos, o cancro da mama tem uma camada invisível: mostra como as pessoas mudam quando descobrem que o tempo deixou de ser abstrato. Mostra como as relações se reinventam, como o riso pode sobreviver à dor e como a vulnerabilidade pode ser a forma mais pura de coragem.

Na sua discrição, "Um Amor Extraordinário" lembra que a vida continua, mesmo quando parece impossível. E lembra que, no fundo, o que nos salva é quase sempre a soma desses gestos pequenos: uma mão dada na hora certa, um silêncio partilhado, uma piada que não devia fazer sentido mas acaba por fazer. É aí que a crónica se cumpre. É aí que o amor, mesmo ferido, continua a ser nosso.

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A Montanha Entre Nós

Gostei

Artur Miguel

Não li o livro, mas gostei do filme...

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Foi Só Um Acidente

Foi só um acidente

Isabel Monteiro

É um filme extraordinário. Deve ser visto após o visionamento do "a banalidade do mal". Não é um filme fácil. Na sociedade portuguesa poucos, infelizmente, têm capacidade para o entender.

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Lavagante

Era Tudo Tão Cinzento!

J.F. Vieira Pinto

Verdade para quem viveu aqueles tempos… Com “segurança” e podre harmonia. O vizinho do lado podia espancar a mulher “à vontadinha” que, mesmo que a polícia fosse chamada, diriam com um irritante à vontade: “Entre marido e mulher, não metas a colher”.

Mas não é sobre a classe baixa pobre e analfabeta que este excelente filme nos fala; não sobre o “povão” de chapéu e garrafão de 5 litros - que não podia faltar, nas excursões de “camioneta” à capital, por exemplo. Havia uma classe média “dominante” e, é dessa que o filme nos fala. No fim de contas, ainda haviam pessoas “de bem”. Estas, sufocadas pelo clima cinzento que a todos tocava.

O filme segue um olhar mais cinematográfico - e bem -, transferindo para o espectador uma visão mais “noir”, sem deixar de ser um pouco “formatado”, o que o torna um produto, digamos assim, “Hollywoodesco” beneficiando a narrativa e, provavelmente uma maior projeção mundial.

Estávamos a precisar de um filme com este arcaboiço para “documentar” o pré 25 de Abril. Que dizer da excelente interpretação da Júlia Palha. Do extraordinário Francisco Froes. Não tanto do Nuno Lopes, que (lamento ter de dizer isto) tem algumas “falas” imperceptíveis”!…A personagem deste (bom ator) é um pouco “fake” que, contudo, não afeta o todo, incluindo o “pidesco” Nuno Infante, cuja personagem faz tudo (abuso de poder), para reconquistar a mulher que, secretamente ama. A ver e rever sem desculpas. (****)

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Lumière, a Aventura Continua

Avanços e retrocessos

J.F. Vieira Pinto

A música de Gabriel Fauré acompanha o cinéfilo nesta viagem ao passado e aos primórdios do cinema. É igualmente uma homenagem a Bertrand Tavernier, o autor de “Round Midnight”. Já estava lá tudo: a “auto-filmagem”; o documentário; a ficção…

Após a invenção da “caixinha” (cinetoscópio), haveria uma enorme necessidade da sua projeção em grande escala. Esta invenção revolucionava tudo. Claro que depois teria de se arranjar, aquilo que hoje se chama “conteúdos”. E, na ânsia de tudo mostrar, porque não filmar em Nova Iorque?! E aqui surgem as primeiras dificuldades impostas pelos norte-americanos. No fim de contas, porque não fazer negócio com “aquela coisa” e criar narrativas mais ao gosto do grande público. A ópera já tinha dado o mote com os seus melodramas. Bastava ao cinema criar novos públicos e…faturar.

Obstaculizaram os operadores de câmara dos Lumière de diversas maneiras e, umas “tarifas” excessivas - onde é que já ouvi isto (?), fariam o trabalho principal: “enxotar “de lá para fora os franceses. Numa visão para o negócio, via-se ali um filão para explorar a saída dos operários da fábrica de Lyon, haveria também de nos inspirar no nosso primeiro filme Português: “Saída do Pessoal Operário da Fábrica Confiança” na cidade do Porto, pelo Aurélio Paz dos Reis. Plágio?! Por estas alturas era e só, preciso mostrar, mostrar, mostrar…

Em tempos de (irritantes) “streamings” & “Séries”, o (péssimo) hábito de visualizar os conteúdos num pequeno ecrã, não é nem mais nem menos que um regresso a 1896… Não precisamos de inventar nada! Já tudo tinha sido inventado: “doc’s” e ficções e mesmo a “selfie”. Basta ver a vaidade com que os operadores de câmara se filmavam durante “as rodagens”, termo que fica até aos nossos tempos pelo simples facto de “dar à manivela”.

Cinema no verdadeiro sentido da palavra é em sala. Haverá espaço para todos? Provavelmente. Uma frase lapidar que nos é dita: “Os americanos criaram Hollywood mas, os Lumière, criaram a nouvelle vague”. Concordo: vai ter de haver espaço para todos. Chama-se a isto, inclusão. Nada ao meu gosto…(****)

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