Taxi driver
Fernando Oliveira
Este é um dos mais míticos filmes dos anos 70: “Taxi driver” realizado por Scorsese em 1976. Com um argumento escrito por Paul Schrader, o filme, mesmo depois de visto e revisto várias vezes, continua a ter uma dimensão perturbante, essencialmente por nos pôr a nós espectadores a partilhar a angústia, a solidão e a demanda punitiva do personagem, mesmo quando dela nos queremos manter afastados. E esta capacidade de nos fazer “contornar” esta auréola mais ou menos fascizante que acompanha o personagem e o seu percurso não é a menor das qualidades do trabalho de Scorsese e Schrader. <br />De todos os homens perturbados e obcecados que Scorsese filmou – e Scorsese quase que parece que não filmou outro tipo de personagens masculinos: de Harry (da primeira curta, que não conheço, que fixado na imagem de um barco num lago, nada mais consegue fazer), passando pelo homem que se barbeia, Johnny Boy, Jake La Motta, Jesus e, dando um salto para filmes mais recentes, Howard Hughes, Teddy Daniels, Méliès ou Jordan Belfort – Travis Bickle (uma magistral interpretação de Robert De Niro), um homem saído da guerra do Vietname e condutor de táxi nas noites de Nova Iorque, é aquela que melhor interioriza algumas das obsessões da obra inicial do realizador: a paisagem urbana, arquitectónica e humana, em desagregação física e moral, onde a violência, a solidão e o desinteresse obrigam os seus personagens a percorrerem uma tentativa de redenção onde a paranóia individual e colectiva roça o misticismo cristão. <br />“Taxi driver” é o retrato de um homem que traz consigo uma perplexidade face ao mundo em que vive (e, pelo olhar do realizador, à América), que perdeu as raízes e acordou as sementes da violência numa guerra que ele (e um país inteiro) nunca conseguiu digerir; que ao querer “salvar” uma prostituta demasiado jovem (Jodie Foster, numa interpretação que dá á personagem uma perturbante perversidade) vai fazer despertar nele uma vontade de punir uma cidade e uma sociedade que lhe diz não. <br />E se as raízes desta loucura vingativa já lá estavam, é a partir do “não” com que Betsy (Cybill Shepherd) lhe responde que começamos a ver a metamorfose de um homem desenquadrado com a realidade num “anjo” vingativo (contra quem ou o quê? – os seus fantasmas e na procura de sedimentação para o seu delírio), o gérmen do fascismo a aparecer quando todas as referências morais e éticas começam a desabar, quando as pessoas se sentem abandonadas ou revoltadas com a sociedade. (E se este filme é obviamente uma tragédia, nove anos mais tarde Scorsese voltaria a filmar a paranóia urbana pelo lado do absurdo: no extrordinário “After hours”). <br />Formalmente é um filme absolutamente genial: a maneira como Scorsese filma a noite nova-iorquina pelo olhar de Travis e através das janelas do táxi que este conduz, a montagem tão obsessivamente febril e precisa como o personagem, a música de Herrmann, para além dos sublimes desempenhos de De Niro e Jodie Foster: <br />“Taxi driver” é um magnífico exemplo do Cinema como a arte de contar através das imagens, e de como o acto de ver um filme pode ser a condição ideal para o espectador questionar em solidão os seus próprios fantasmas. <br />Uma obra-prima. <br />(em "oceuoinfernoeodesejo.blogspot.pt") <br />
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