Altos voos?
Gonçalo Sá - http://gonn1000.blogspot.com
Projecto aguardado com alguma expectativa, uma vez que se tratava de um "biopic" sobre uma marcante figura da sétima arte e da aviação, Howard Hughes, realizado por um não menos lendário nome do cinema actual, Martin Scorsese, "O Aviador" ("The Aviator") chegou a ser apontado como o filme que assinalaria, finalmente, o reconhecimento do cineasta de "Taxi Driver" pela Academia de Hollywood. Embora tenha ganho cinco Óscares, quase todos se relacionaram com categorias técnicas - a excepção foi vincada por Cate Blanchett, considerada a Melhor Actriz Secundária -, constatando-se que os méritos de "O Aviador" não foram suficientes para convencer a Academia a atribuir-lhe o Óscar de Melhor Filme ou Melhor Realizador.<BR/><BR/>Em parte, percebe-se o motivo desta opção. É que, se o filme é muitíssimo competente na direcção artística, guarda-roupa, fotografia e montagem, recriando eficazmente as décadas de 30/40 de Hollywood, o difuso e espartilhado argumento e, sobretudo, o desequilibrado e inconsistente ritmo não permitem que "O Aviador" voe mais alto (passe a expressão...).<BR/><BR/>Sim, Scorsese proporciona uma mão cheia de cenas fulgurantes e visualmente apelativas, como nos momentos da rodagem de "Hell's Angels" ou no acidente de aviação do protagonista, mas este inegável "savoir-faire" não chega para salvar uma obra minada por um considerável convencionalismo (sobretudo na primeira metade) e uma recorrente previsibilidade. <BR/><BR/>Debruçando-se sobre os traços de genialidade e de vulnerabilidade de Howard Hughes, milionário vincado pela megalomania, obsessão, narcisismo, paixão - pelas mulheres, cinema e aviação - e alguma hipocondria, Scorsese gera mais uma das suas personagens ambíguas, densas e dúbias, mas a sua perspectiva nem sempre é refrescante. Leonardo DiCaprio encarna o protagonista com entrega e solidez, mas a sua interpretação só se torna verdadeiramente convincente na recta final do filme, quando o argumento permite conceder a Hughes maiores traços de complexidade e efervescência interna.<BR/><BR/>Tratando-se de um "biopic", é compreensível que "O Aviador" se centre essencialmente na personagem principal, mas aqui isso é feito de uma forma em que todas as outras figuras se tornam em presenças demasiado unidimensionais e pouco intrigantes. As amantes de Hughes, em particular, sofrem dessa limitação, tanto Ava Gardner (Kate Beckinsale, com uma prestação luminosa mas com escassa substância) como Katherine Hepburn (Cate Blanchett, carismática mas caricatural), reduzindo-se a "pin-ups" que ornamentam a vida do protagonista e não proporcionam especial impacto.<BR/><BR/>A vertente plana e académica que domina grande parte de "O Aviador" torna-o num filme demasiado superficial e insosso pontuado por ocasionais episódios onde alguma intensidade consegue, apesar de tudo, emergir. É certo que atmosferas mais negras e surpreendentes conseguem impor-se, já na recta final, mas não são suficientes para compensar as mais de duas horas, geralmente monocórdicas, que as antecederam.<BR/><BR/>Após a experiência com o épico em "Gangs de Nova Iorque" ("Gangs of New York"), um filme interessante mas desigual, Scorsese volta a apostar em domínios semelhantes mas o resultado é ainda menos profícuo e inventivo. Tal como o seu protagonista, "O Aviador" é uma obra ambivalente, congregando um inatacável profissionalismo técnico e uma narrativa muitas vezes soporífera.<BR/><BR/>Talvez Scorsese recupere o seu universo tenso, profundo e vibrante quando decidir afastar-se das grandes produções, repletas de ambientes grandiosos mas pífios, que exageram nas doses de pompa e circunstância e oferecem experiências cinematográficas que não ultrapassam a mediania. Assim é "O Aviador"... Classificação: 2/5 - Razoável.
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