O fim da solidão...
Pedro Bras Marques
O imortal Clint Eastwood está de volta em “Cry Macho”, um filme cujo subtítulo em português diz o fundamental: “A Redenção”. <br />Ao longo da sua extensa carreira, o actor/realizador foi evoluindo na complexidade dos seus filmes e das personagens a que dava vida. Basta recordar como se iniciou nos westerns, com os “spaghettis” de Sergio Leone e compará-los com essa obra supeiror que dá pelo nome de “Imperdoável”. Mas houve sempre uma nota comum, omnipresente, muito americana, a do herói solitário, aquele que tem dentro de si a capacidade, a energia e o saber para resolver as situações, ungido que se sente por uma lei natural, a única a que obedece. O expoente máximo será o intolerante e intratável inspector da polícia de San Francisco que ficou para a História como “Dirty Harry”. Os exemplos são imensos e, mesmo em filmes mais recentes, como “O Milagre no rio Hudson” e “15:17 Destino Paris”, essa marca d’água continua presente. E, atente-se, que a sombra dessa solidão não se ficava só pelo nível profissional, pois estendia-se, igualmente, à vida particular e familiar das personagens. <br />Serve este introito para melhor se perceber a extensão da tal “redenção” de que fala o título e que não se circunscreve à vida de Mike Milo, o reformado cowboy e antiga estrela dos “rodeos” que Eastwood interpreta neste seu último filme. Porque o ancião que aceita ir até ao México para resgatar o filho do magnata local dos rodeos, faz mais do que a viagem de ida e volta, faz uma outra de profunda aprendizagem, quer pessoal, quer inter-relacional. Primeiro, porque o miúdo tem uma verdadeira iniciação na vida de adulto por via dos ensinamentos do mestre Mike. Depois, porque eterno aprendiz, o vetusto cowboy também assimila que há sacrifícios e caminhos que, mesmo duros, podem e devem ser trilhados. E é aqui, nesta aprendizagem de que a solidão não é uma solução de felicidade, que está o sentido mais profundo daquela purga interior. O livro em que o filme se baseia, da autoria de Richard Nash, é de 1975 mas permite a possibilidade de se fazer uma interpretação extensiva desse momento, alargando-o ao tal painel, extraordinário e diversificado, de filmes e personagens que o realizador de “Mystic River” interpretou e realizou ao longo da vida. <br />“Cry Macho” não é um “Eastwood vintage”, mas não desmerece no global da sua obra. Aliás, aos 91 anos ainda ter capacidade mental e energia suficiente para uma empreitada destas, é algo de absolutamente notável. Não há cavalos para percorrer o caminho, mas eles estão debaixo do capô do velho furgão que o transporta. Não há sidekicks mas há um miúdo, esperto e inteligente, que precisa de ser devolvido ao pai, mensagem com evidentes ecos religiosos. Não há um caminhar em direcção ao pôr do sol, mas há uma porta que se abre, deixando ver a chama duma lareira à sua espera…
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