Marketing de guerra
Rita (http://cinerama.blogs.sapo.pt/)
Baseando-se no livro de James Bradley e Ron Powers, o realizador Clint Eastwood e o argumentista Paul Haggis (equipa responsável por "Million Dollar Baby") e a quem se juntou William Broyles Jr., trazem-nos em "Flags Of Our Fathers" uma desconstrução do heroísmo e da propaganda de guerra. 23 de Fevereiro de 1945 era o 5.º dia de uma batalha que iria durar cinco semanas pela conquista da estratégica ilha japonesa de Iwo Jima. Cinco marines e um médico da marinha içam a bandeira americana no cimo do Monte Suribachi. A sua foi a segunda a ser içada naquele dia, depois da primeira ter sido cobiçada por um oficial de outra companhia. O fotógrafo Joe Rosenthal captou na sua objectiva esse momento, sem saber que este se iria tornar um ícone da história americana e granjear-lhe o Prémio Pulitzer.<BR/><BR/>Reproduzida em todo o mundo, aquela fotografia deu um novo alento aos desiludidos americanos e transformou instantaneamente os seus protagonistas em heróis. Mas a verdade da sua história era bastante mais dura. Apenas três desses homens sobreviveram. Feitos regressar imediatamente ao seu país, foram utilizados como meio de propaganda política, obrigados a efectuar uma tournée pelo país - onde tinham também que dramatizar o evento de Suribachi - para promover o financiamento da guerra através de títulos (esta campanha conseguiu angariar cerca de 23,3 mil milhões de dólares).<BR/><BR/>James Bradley, o autor do livro, é filho de John "Doc" Bradley, o médico na foto de Rosenthal, aqui interpretado por um sereno e abismado Ryan Phillipe. Os outros dois protagonistas desta história são Rene Gagnon (Jesse Bradford), aquele que melhor assume o papel de herói e que espera retirar dividendos de toda a exposição, e Ira Hayes (um poderoso Adam Beach), descendente de índios Pima, que nunca consegue efectivamente entender toda aquela manipulação e que acaba por cair no alcoolismo. Uma fama que é tanto mais chocante quanto o futuro que os espera a todos - no sentido mediático do termo - é pouco glorioso.<BR/><BR/>A narrativa de "Flags Of Our Fathers" move-se entre os momentos da batalha, o regresso a casa e a actualidade, onde James Bradley (Tom McCarthy) recupera a história através das memórias dos intervenientes. Uma estrutura que adiciona um considerável peso a este filme. Um dos pontos verdadeiramente fortes são as interpretações complexas e sólidas que Eastwood retira dos seus actores.<BR/><BR/>A presença de Steven Spielberg na produção torna inevitável ler algumas semelhanças estéticas com "Saving Private Ryan", sobretudo ao nível do detalhe e da intensidade. Os efeitos visuais fundem-se no filme sem chamar a atenção, ao mesmo tempo que a fotografia de Tom Stern, trabalhando a paisagem de Sandvík, Islândia, em cinzentos, azuis e castanhos, se cola às fotografias reais da batalha que acompanham todo o genérico final.<BR/><BR/>Através do símbolo de unidade, empenho e sacrifício por uma causa comum que aquela fotografia constitui, esta história foca a dualidade entre a "venda" da guerra e a sua realidade, entre a máquina que está por detrás e os indivíduos que estão na linha da frente. Estes homens, partilhando a culpa dos sobreviventes, ficam presos entre a lenda e os factos (houve inclusivamente acusações de que a foto teria sido encenada), entre aquilo que os outros esperam deles e aquilo que tiveram de suportar em nome de outros.<BR/><BR/>"Flags Of Our Fathers" é simultanea e equilibradamente uma mensagem anti-guerra e um tributo ao valor dos seus soldados. Como é mostrado no filme, a guerra é sobretudo uma questão de lealdade para com os companheiros no campo de batalha, não é nem política nem patriotismo. Hayes recusa o título de herói pelo simples facto de apenas ter tentado não ser atingido. Mas em casa eram outras armas que o agrediam, armas das quais não se conseguiu proteger.<BR/><BR/>"Flags Of Our Fathers" tem uma visão dura e abrangente sobre o custo humano da guerra. Em Iwo Jima morreram cerca de 7.000 americanos e 22.000 japoneses. O ponto de vista destes últimos será relatado por Clint Eastwood numa segunda parte, intitulada "Letters from Iwo Jima", protagonizada por Ken Watanabe e que deverá chegar à Europa em Fevereiro deste ano. Nota: 6,5/10.
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