Desfiando o que é um filme de acção
David Bernardino
<p><br /><br />Steven Soderbergh está de regresso, num instante, após "Contágio", no seu 8º filme nos últimos 3 anos. Soderbergh está imparável. Desta vez com "Haywire", o realizador dá uma lição sobre o que é um filme de acção e consegue-o imaculadamente. Vai buscar Gina Carano, praticante de artes marciais, que nem sequer é actriz, e coloca-a no papel principal de um filme preenchido por um leque de nomes sonantes do cinema actual. Fez muito bem. Além de ser uma "actriz" que encaixa bem no estilo de filme pretendido, actuando de acordo com aquilo que o filme exige, é perfeita no que toca à acção. E Soderbergh esfrega-nos na cara o que se pretende num filme de acção.<br /><br />A narrativa é reduzida ao máximo, limitando-se a um fio condutor duma história que aparentemente é simples, mas que tem algumas nuances. Na forma como é apresentada, a "redução" por vezes confunde o espectador que deve estar atento. No entanto tal não será absolutamente necessário para retirar prazer desta Traição Fatal e não é nem de perto nem de longe a confusão narrativa inimiga do espectador, diria mesmo ofensiva, de filmes como o recente "Tinker Taylor Soldier Spy" ("A Toupeira").<br /><br />O leque soberbo de actores que acompanha Gina Carano nos papéis secundários tem uma participação algo reduzida no que toca a tempo, mas essa é também uma opção curiosa. Com actores como Michael Douglas ou Fassbender, entre todos os outros, Soderbergh opta por lhes atribuir apenas o tempo de ecrã necessário ao filme de acção que está a realizar.<br /><br />E é aí que compete então aflorar o motivo pelo qual "Haywire" é tão bom. A forma como a acção é filmada, seca e brutal, praticamente sem acompanhamento musical, é um luxo de pureza do que deveria significar filmar um filme deste género. O movimento de câmara é original, nada ortodoxo, com um feel quase amador, mas que não o é. Já em "Taken", com Liam Neeson, tínhamos tido umas luzes sobre este sentido de filmar a acção, mas com "Haywire" esse é mesmo o objectivo do filme. Deve ser dado o exemplo da cena inicial do filme, onde de uma conversa de café inocente de repente se parte para uma cena de acção tão sóbria como uma esponja seca e tão fria como um cubo de gelo, filmada num único take, numa coreografia por demais realista. Ou mesmo uma outra onde certo vilão observa o mar e observamos ao longo de um minuto a personagem de Gina Carano a aproximar-se dele correndo no horizonte, sem qualquer acompanhamento musical, sem qualquer crescendo de tensão desnecessário, sem qualquer sobre-dramaturgia, sem qualquer, digamo-lo agora sem rodeios, "palhaçada" que mancha os vulgares filmes de acção.<br /><br />No final não ficamos com aquela sensação arrebatadora tradicional de se ter visto um "grande" filme, como se sente nos filmes de Christopher Nolan por exemplo. "Haywire" não provoca essa sensação. Mas a verdade é que objectivamente "Haywire" é excelente naquilo que pretende e julga que deve ser. E contra factos, como se costuma dizer, não há argumentos. Não está ao nível do soberbo "Ocean's Twelve", a nosso ver a obra suprema de Soderbergh, mas "Haywire" é um excelente exercício de cinema objectivo. Infelizmente a generalidade do público assim não o entenderá, como não o entendeu em "Ocean's Twelve" (fortemente criticado negativamente pelo espectador "médio"), como comprovarão as médias em sites de opinião pública como o IMDb. Haywire é mais um que não escapará a ser injustiçado, mas será um dia sem dúvida reconhecido.<br /><br />Crítica originalmente publicada no blog retroprojeccao</p>
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