As Oito Mulheres de Ozon
Ricardo Pereira
Parece uma peça de teatro de Agatha Christie, mas no lugar do metódico Hercule Poirot aparecem a graça e o charme de actrizes como Catherine Deneuve, Isabelle Huppert, Emmanuelle Béart e Fanny Ardant. “8 Mulheres”, de François Ozon, é inteiramente sustentado por seu elenco feminino. O único homem é um morto. Isso porque o cenário armado para a história é uma festa de Natal conturbada porque o patriarca da família, Marcel, aparece na cama, com um punhal cravado nas costas. E uma das mulheres é necessariamente a culpada. Quem são essas mulheres? Mamy (Danielle Darrieux) é a matriarca, mãe de Gaby (Catherine Deneuve), a esposa de Marcel. A irmã de Gaby é Augustine, uma solteirona neurótica vivida por Isabelle Huppert. Gaby tem duas filhas, Suzon (Virginie Ledoyen) e Catherine (Ludivine Sagnier). Pierrete (Fanny Ardant) é irmã do morto, femme fatale, maliciosa e de língua ferina. Louise (Emmannuelle Béart) é a empregada da casa e Madame Chanel (Firmine Richard), a governanta. Quando Marcel aparece assassinado, as mulheres tentam descobrir a responsável pelo crime. Acontece então o de praxe. Quando uma investigação se inicia, o que primeiro vem à tona são os podres de cada um. Só depois, e como consequência dessa remoção de entulho, é que se chega ao culpado. Toda narrativa policial, a desse tipo, pelo menos, tem uma certa ambientação humorística. É perceptível em Conan Doyle e também na já citada Agatha Christie. Algo distancia essas histórias do realismo fechado da literatura policial, e essa distância é aquela fornecida por um confortável "não leve totalmente a sério". O que faz o realizador François Ozon? Amplia deliberadamente esse distanciamento auto-irónico e transforma sua história em farsa. Além disso, essa farsa, além de vir no formato de teatro filmado (no bom sentido do termo), ainda pode ser considerada um semi-musical. Isso porque, a momentos determinados da história, as mulheres em questão cantam. E as canções escolhidas falam dos seus sentimentos naqueles momentos. OK, elas não são grandes intérpretes. Mas é sempre bom ver (mais que ouvir) Catherine Deneuve tentando entoar “Toi Jamais” ou Emmanuelle Béart fazendo biquinho para cantar “Pile ou Face”. O interessante é ver oito mulheres – desde a patroa até a empregada, passando pelas filhas e a irmã da vítima como suspeitas - que acabam revelando segredos como se estivessem numa sessão de terapia de grupo exclusivamente feminina. Cada uma querendo salvar a própria pele e todas se degladiam o tempo todo. Se o filme é uma homenagem às mulheres, considere também que ele é cheio de referências ao próprio cinema. Muitas das cenas reproduzem grandes filmes em que as musas da década de 50 do cinema hollywoodiano participaram. Vale citar algumas dessas referências. Catherine Deneauve é a própria Marilyn Monroe no filme "The Misfits" (de John Huston), em uma das cenas musicais, toda loira e sensual. E nada melhor que o filme "Sabrina" (de Billy Wilder) para inspirar a roupa da personagem de Virgine Ledoyen (só que no filme original a cor da roupa de Audrey Hepburn é preta). Friminie Richard, que faz o papel de governanta, é a perfeita Hattie McDaniel de "E Tudo O Vento Levou". Outro grande momento é a citação de "Gilda", em que Fanny Ardant dança e faz o mesmo famoso strip-tease de Rita Hayworth. São esses momentos que fazem de "8 Mulheres" um grande filme, cheio de acção e com muita qualidade, com um elenco de 8 mulheres excepcionais.
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