Jovem e Bela ou Adulta e Hedionda
Pedro Brás Marques
O título «Jeune & Jolie/Jovem e Bela» parece não dizer quase nada sobre Isabelle, a personagem principal do último filme de François Ozon. Afinal, são adjectivos que falam sobre o exterior e não sobre o complexo interior da adolescente cuja vida acompanhamos durante um ano. Porque, por dentro, Isabelle não é assim tão jovem e muito menos bela - pelo contrário, participa num jogo de adultos onde as perversões e a mentira são os ingredientes principais. Tudo começa no dia dos seus dezassete anos, em que perde a virgindade. O acontecimento não corre bem ou, pelo menos, Isabelle não demonstra ter ficado satisfeita, antes parece ter percepcionado o momento como algo físico e não emocional. De regresso a Paris, ficamos a saber que ela continua os estudos mas, ao mesmo tempo, exerce a profissão mais velha do mundo. Jovem, belíssima, o sucesso está garantido e a carteira de clientes também. <br /><br />Mas porque é que ela o faz? Pelo prazer sexual puro? Não parece, porque aborrece-se de ter sexo com o namorado, tem de representar para os clientes e até há um que apenas quer isso mesmo, observá-la lascivamente. Dinheiro? Ela não tem problemas financeiros inserida que está numa família que vive bem e que lhe dá tudo o que ela precisa. Aliás, Isabelle nem sequer gasta o dinheiro que recebe pelos seus serviços de ‘call girl’… Ozon não nos dá uma resposta clara, mas o que parece transparecer é que ela procura encontrar algo que a preencha interiormente. E é esta carência afectiva, que força a busca duma resposta através de algo que implica contacto entre dois seres: o sexo. E tudo parece correr bem até ao momento em que um seu cliente morre durante o acto sexual, desencadeando uma série de eventos que termina na descoberta e exposição de tudo. O choque familiar é grande, mas a verdade é que ninguém é puro, muito menos a sua estupefacta mãe que também guarda segredos coloridos… <br /><br />A história deste anjo caído no Inferno é contada de forma superior por François Ozon. Num registo clássico, sem inovações estilísticas, o realizador e argumentista foge da tentação de cair no melodrama e da lógica redenção final da personagem, optando por um final em aberto, onde nada nos garante que Isabelle tenha «recuperado» e voltado à «normalidade» após este complexo «ritual de passagem» para a idade adulta. Isto apesar de, nessa altura, já ser Primavera, época de renascimento e ressurgimento… <br /><br />Ozon encontrou em Marine Vacht uma perfeita Isabelle. Contida, melancólica, belíssima, mostra a insegurança dos dezassete anos em contraste com a maturidade e à vontade com que move no mundo adulto dos fantasmas e dos desejos primários reprimidos. Até o espectador se sente também «cliente» ao observar, quase voyeuristicamente, a sua extraordinária beleza. Como se tudo isto já não bastasse, este deleite para os olhos é rematado pela muito feliz escolha da banda sonora, entregue a uma sex-symbol dos anos 60, Françoise Hardy, que começou a sua carreira com “Tous les garçons et les filles” quando tinha…dezassete anos.
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