Amizade Improvável
Pedro Brás Marques
A história verdadeira da «amizade improvável» entre a mulher mais poderosa do Mundo e um servo indiano está na base deste “Victoria & Abdul”. Mais do que um choque cultural, com a habitual comicidade de circunstância, este filme de Stephen Frears mostra como quando se olha alguém nos olhos, consegue ver-se a sua alma… <br />O cenário é o jubileu de Victoria, assinalando o meio-século do reinado da “Rainha de Inglaterra e Imperatriz da India”. De todos os lados chegam presentes incluindo do sub-continente indiano: uma medalha, que lhe é trazida por dois íncolas. Um deles, Abdul, acaba por cair nas graças da aniversariante, que o chama para a corte, acabando por se tornarem confidentes um do outro. Ela, porque está cansada da superficialidade da vida na Corte e da prisão que significa ser rainha, ele, porque gosta de ajudar os outros e é incompreendido. Claro que ninguém vê esta relação com bons olhos, muito menos o ansioso herdeiro, o Príncipe de Gales, herdeiro legítimo do trono e que desespera com a longevidade da mãe, que lhe parece reforçada pela alegria do convívio com Abdul… Mas o que Victoria e Abdul trocam são apenas confissões, estados de alma, lamentos. Ela sente-se tratada como um ser humano e não como a intocável e inatingível monarca que a todos causa temor. A rainha descobre um novo mundo, uma nova cultura, aprende outra língua e tudo isto a faz sentir viva. Já Abdul está deslumbrado pela corte, pela vida faustosa, mas nunca perde o sentido de tudo, de que avida vale a pena se for efectivamente desfrutada. <br />Absolutamente soberba está Judi Dench no papel da Rainha Victoria. Oscilando entre o ser fechado, aborrecido e entediado que ostenta em público, e o lado interessado, frágil e humano quando está em privado com o seu criado indiano. A sua cara muda, a sua luz transforma-se e Victoria parece desdobrar-se em dois seres completamente distintos. Judi Dench está perfeita neste seu regresso a uma personagem a quem já havia dado vida há quase duas décadas, em “Mrs. Brown”, uma relação semelhante à que teve com Abdul, mas dessa vez com John Brown, o escocês duro com quem ela convivia em Balmoral, na Escócia. Mas se a história decorre num tom leve e, até, com alguma comédia à mistura, isso deve-se não só ao argumento dinâmico e leve de Lee Hall, como à realização discreta e eficaz de Stephen Frears ajudado pela excelente fotografia de Danny Cohen, que nunca perdem a mão, seja nos espaços fechados das salas dos palácios ou nos horizontes sem fim das montanhas da antiga Caledónia. “Victoria & Abdul” não é extraordinário, mas é uma história interessante e muito bem contada, o que é de saudar nos tempos que correm.
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