O poder do perdão
Pedro Brás Marques
«Quem erra deve pagar», parece ser esse um dos lemas civilizacionais contemporâneos. Uma desregrada e insensível concorrência alimenta-se da necessidade de sobrevivência, não deixando espaço para que sentimentos nobres, como o perdão, possam respirar. É triste, mas é o sinal dos tempos. <br />Mas, por vezes, há histórias como esta, a de Filomena, uma mãe adolescente que se viu forçada, pelo mosteiro que a acolheu na rígida e católica Irlanda de meados do século XX, a entregar o seu filho a desconhecidos. Este filme é sobre o processo de descoberta do que terá acontecido à criança, desejo esse de contornos diferentes, consoante o vejamos pelo amor maternal de Filomena ou pelo interesse jornalístico de Martin Sixsmith. Já passaram cinquenta anos sobre a data da separação e a mãe nunca mais soube do filho. Mas quer saber. Pelo seu lado, Martin acabara de sair do Governo de Tony Blair e precisava, urgentemente, de uma ocupação. A necessidade de cada um une-os e satisfaz-se na procura da criança que fora e do homem que será, odisseia que os levará da Inglaterra à Irlanda e, depois, aos EUA. <br />A história das adolescentes irlandesas que engravidavam e que eram recolhidas em conventos onde, num regime desumano, tinham de permanecer enclausuradas quatro anos e abdicarem do direito aos seus filhos, já foi alvo de outras abordagens. Recordo o brutal “As Irmãs de Maria Madalena”, de Peter Mullen (2002) ou a canção de Joni Mitchell, “The Magdalene Laundries”. Efectivamente, a Igreja irlandesa através destes “Asilos Madalena”, o que fez, na prática, foi tráfico de crianças e praticou cativeiro sobre as mães, sempre em nome de Deus. “Why do they call this heartless place Our Lady of Charity? Oh charity!”, ironiza a cantora canadiana… Filomena foi uma destas vítimas, mas tem consciência de que teve alguma culpa, porque “deu” a sua criança. Mas não se pense que a personagem principal cede à culpa: pelo contrário, a sua visão da realidade é bastante objectiva. Ela sabe onde e quando errou, mas não tem problema em declarar que teve prazer no acto em que fez o filho. Por isso, a procura foca-se em saber o que será dele meio século depois, mais do que propriamente pedir-lhe desculpa do que quer que seja. Quando percebe o que aconteceu e se confronta com a ortodoxa Irmã Hildegarda, a fonte de todo o mal, ao contrário de Martin que quer explode de raiva e exige vingança pura e simples, Filomena perdoa-a. Um acto enorme, de maturidade, de paz, de verdadeiro e puro cristianismo. E Martin percebe que não é a capa que faz o livro e que até nas pessoas mais simples se pode encontrar uma gigantesca lição de sabedoria. <br />Tem-se ouvido por aí encómios à interpretação de Judi Dench. E ela merece-os, até porque estava a ficar algo ‘typecasted’ na recorrente mulher enérgica, auto-suficiente e líder absoluta do seu destino. A sua Filomena é uma senhora de idade, teimosa, crente, simples, da classe baixa, que gosta de romances de cordel, em flagrante contraste com Martin (um Steve Coogan snob q.b.) um quarentão sofisticado, ateu, que usa terminologia upper-class e não tem muita paciência para quem não está ao que ele considera ser o seu nível cultural. Mas o grande mérito deste filme vai inteirinho para Stephen Frears. O filme poderia escorregar para terrenos perigosos, como o melodrama parental ou o panfleto anti-clerical. Nada disso. Frears mostra as diversas faces da história, sem nunca tomar partido, a não ser o de mostrar as personagens como elas são. E isso é de enorme mérito. “Filomena” é um filme tipicamente britânico, com uma história sólida e interpretações à altura, sem cedências ao cinema espectáculo. A merecer toda a atenção.
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