A violenta condição humana
Rita Almeida (http://cinerama.blogs.sapo.pt/)
Tom Stall (Viggo Mortensen) é dono de um pequeno restaurante na pacata vila de Millbrook, Indiana. A mulher de Tom (Maria Bello) e os seus filhos Jack (Ashton Holmes) e Sarah (Heidi Hayes), bem como a restante Millbrook conhecem Tom como um homem pacífico. Mas ao defender-se de uma tentativa de assalto, Tom mata dois homens, tornando-se o herói do momento. Até ao dia em que surge Carl Fogarty (Ed Harris) que afirma conhecer Tom de Philadelphia, onde ele daria pelo nome de Joey, irmão do criminoso Richie Cusack (William Hurt). Após o assalto, o filme retoma uma certa paz quotidiana. Mas, a partir desse momento, esta calma oculta uma crescente tensão, à medida que se vai entrando numa espiral de agressividade (jornalística, psicológica e física).<BR/><BR/>Bastante mais convencional que "Spider" (2002) e numa linha mais "mainstream", "A History of Violence", baseado na banda desenhada de 1997 de Vince Locke e John Wagner, ainda mantém alguma da profunda e perturbante exploração do humano tão característica de Cronenberg, abordando questões de identidade e a linha ténue entre realidade e fantasia. "A History of Violence" beneficia de um conjunto de grandes interpretações, marcadas por fortes mudanças emocionais. Viggo Mortensen está totalmente à altura deste papel, modulando toda a sua complexidade com extremo cuidado. E o mesmo acontece com Maria Bello. Mas a minha preferência é monopolizada por um demente William Hurt, seguido de um arrepiante e ameaçador Ed Harris. A cena final termina em silêncio. Mas Cronenberg é tão exímio em dar vida a estes seres, que conseguimos ouvir cada palavra não dita.<BR/><BR/>Face à BD, as grandes diferenças residem no nome das personagens e na geografia. As cenas de sexo são também uma novidade. Contestadas pelos puristas, são para mim essenciais na caracterização da relação entre o Tom e Edie. E desculpem os mais púdicos, mas o 69 entre Viggo Mortensen e Maria Bello é de uma intimidade quase comovente. Cronenberg mistura sexo e violência, compaixão e raiva, vingança e perdão. O argumento de Josh Olson está muito bem escrito e Cronenberg filma a violência com uma tal arte e beleza que é impossível não fazer a analogia com a dualidade de atracção-aversão que a violência exerce sobre todos nós. Até os momentos mais "pacíficos" estão repletos de sentimentos violentos (o amor incluído).<BR/><BR/>Cronenberg joga com isso e levanta questões: a violência pode ser justificada, ou apenas gera mais violência? Como responder à violência quotidiana que enfrentamos nas nossas vidas, seja na escola, na rua, ou numa relação? Como lidar com a agressividade que reside em cada um de nós, ainda que adormecida? Por muito que nos custe, a violência faz parte da condição humana. E por muito que a reneguemos há algo na nossa natureza que se regozija perante visões de agressividade e sangue. Cada um de nós alberga um monstro. Felizmente, a maioria de nós não o alimenta. Nota: 9/10.
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