Do vinho ao vinagre
Carlos Natálio - www.c7nema.net
Seis anos volvidos desde a frutuosa e oscarizada parceria Ridley Scott-Russell Crowe em "Gladiator", estes voltam a juntar-se no mais improvável dos géneros: a comédia. Baseado no romance de Peter Mayle e adaptado ao grande ecrã por Marc Klein ("Serendipity"), "A Good Year" acompanha o famoso corretor da bolsa Max Skinner (Russell Crowe) numa viagem inesperada. Por morte do seu tio Henry (Albert Finney), Max tem de deixar a sua cinzenta e buliçosa Londres e visitar as paragens solarengas da Provença, onde o seu parente lhe deixou uma herdade e uma área considerável de vinhas. Aqui, aprende a apreciar o verdadeiro valor das pequenas coisas da vida e perde-se de amores por Fanny Chenal (a belíssima Marion Cotillard), uma habitante local. Até aqui, muito pouca coisa de novo para uma comédia dramática, com laivos de romantismo, sobre um jovem da cidade que aprende a conviver com a pureza campestre.<BR/><BR/>Vemo-nos assim ante um estudo redondo e clichético sobre os sonhos e exorcismos de uma classe masculina bem instalada na vida. Curiosa é a forma como, por inépcia de alguns dos seus participantes, "A Good Year" se afirma, desde logo, como uma obra superficial e bem–disposta, e ainda assim possui interiormente tantos "espaços de desconforto e deslocação", como se não houvesse, em teoria, realizador ou actor mais distantes de um projecto com estas coordenadas.<BR/><BR/>Um desses desconfortos surge, desde logo, com a simplificação de processos com que Ridley Scott aborda a comédia, num esforço para sublinhar a cada minuto o território que habita. Com quedas, tiradas imbecis, excessos poéticos adolescentes ou "pirosos". E a muito esforço, "consegue-se" (com a subjectividade inerente a um julgamento como este), o maior drama de uma comédia: tentar, tentar sempre e acabar por não ter graça nenhuma. Mostrando ainda que não basta um "bom timing" para uma "boa comédia", contrariando assim a lição do tio Henry a Max, quando este era criança.<BR/><BR/>Ainda na dimensão cómica, talvez compensando a aridez do romance e do episódico assunto da qualidade do vinho da herdade, funcionam quase de forma "intrusiva" as referências ao espaço geográfico e fílmico de Jacques Tati, designadamente o de "Les Vacances de Mr Hulot". Mais uma vez, é no mínimo alienígena ver a "A Good Year", objecto tão ensimesmado, mimar a cada passo o que poderá facilmente situar-se nos antípodas do seu universo cómico. Por todos os motivos. Pela densidade dos "gags", pela subtileza (palavra tão oposta a tudo o que é "A Good Year") e minimalismo, pelo "timing" supremo de Tati. E não há corpo transmutado, irreversível, inquieto, e ao mesmo tempo tão sereno, como o do cineasta actor francês. E por falar ainda em corpos, também não o há mais ausente, mais a despropósito, do que o de Russell Crowe no papel de homem urbano de meia-idade em convulsão, na relação com o espaço idílico da sua infância, que há muito tinha esquecido.<BR/><BR/>Desse espaço da Provença, fica-nos pouco da serenidade das palavras de Peter Mayle, sendo sempre um local povoado de clichés sobre os olhares urbanos sobre o campo e do olhar estereotipado sobre os franceses, corporizado nas personagens dos caseiros da herdade de Max Skinner. Talvez seja essa uma das razões da proximidade de "A Good Year" a uma obra mole como "Under the Tuscan Sun" e da efectiva distância a um filme como "Sideways", de Alexander Payne.<BR/><BR/>Da representação, há a salientar apenas o nome de jovem actor em ascensão Freddie Highmore, ("Finding Neverland", "Charlie and the Chocolate Factory") enquanto Max em criança. Apesar de apenas participar em duas ou três cenas, é dos poucos a quem se vislumbra genuinidade e carisma "não empacotado". Talvez porque é, em "A Good Year", dos poucos que se consegue extrair do maneirismo estilístico e da "schemata" moral que se impõe à história desde os primeiros minutos. Nota:4/10.
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