Regresso ao passado
Pedro Brás Marques
«Niki Lauda, Niki Lauda é um grande corredor, dá a volta a Portugal sem mexer no guiador!». Foi com uma enorme dose de saudosismo que me desloquei ao cinema para ver «Rush». Sou do tempo em que só havia um canal e toda a gente via e “percebia” de Fórmula 1. Os melhores pilotos, por mais estranhos que os seus nomes pudessem soar, eram pronunciados por toda a gente: Mario Andretti, Clay Regazonni, Jody Schekter, Carlos Reutmann, Emmerson Fittipaldi, Ronnie Peterson e, claro, James Hunt e Niki Lauda. E os carros e respectiva decoração? A Lotus com o preto da JPS, a McLaren com a Marlboro e, acima de todos, a Ferrari. Todos tinham o seu preferido! Eu era miúdo, teria uns 9 ou 10 anos e já seguia o “Circo” com uma avidez que, trinta e tal anos depois, está reduzido ao essencial. É certo que sempre gostei mais da espectacularidade do Mundial de Ralis, até porque passava à minha janela e eu delirava com aquele roncar que cortava o silêncio da noite e com os brutais focos de luz que varriam a estrada e desapareciam por entre os pinheiros. Bons tempos esses que tiveram continuidade por muitos e bons anos. Hoje, o “bichinho” ainda está bem vivo, mas sem a energia de outrora… <br />E quanto a “Rush”? Bem, para dizer a verdade, gostei e isso surpreendeu-me. Ron Howard é um americano consagrado por produzir pastelões e isso não augurava nada de bom, até porque se trata de uma história “europeia” e um dos actores até vinha do universo dos super-heróis. Mas a verdade é que a “coisa” funciona! Hunt e Lauda, mais do que dois campeões do Mundo, encarnam duas formas opostas de estar na vida: o primeiro, intuitivo, louco, emocional, enquanto o segundo é frio, cerebral e metódico. Ambos chegam ao seu objectivo, por vias diferentes, claro, mas Ron Howard parece querer dizer-nos que é preciso um ser humano ser radical, sentir que está vivo porque a morte está a assistir ou aproximar-se dos seus limites para atingir a imortalidade reservada aos deuses. O povo diz que “no meio está a virtude”, mas Lauda e Hunt desmentem tal premissa: no meio está o aborrecimento. É preciso sofrer, é preciso vencer-se a si próprio, é preciso ser “maior do que os homens” para se ser o melhor, o número um. E, claro, quando dois contendores com o mesmo espírito mas com natureza diferente, se encontram, tudo pode acontecer, mas o resultado será sempre a excelência. Ron Howard deixa as personagens respirar, deixa-as voar, não entra em considerações, mostra as virtudes e os defeitos e deixa que seja o deus das corridas a decidir. Numa montagem paralela, vamos vendo a vida de um e a do outro, momentos profissionais e pessoais, como se eles fossem dois irmãos gémeos cujo ódio de cada um serve de alimento ao outro. As imagens das corridas estão fantásticas, captando muitíssimo bem a vertigem da velocidade. Os dois actores, em especial Daniel Bruhl que interpreta Lauda, estão à altura e vestem bem o fato dos pilotos (a própria semelhança física é notável, excelente casting). <br />No final, com a voz de “Niki Lauda” em off, sobre imagens reais de Fórmula 1 e dos dois pilotos, não pude deixar de engolir em seco. Eu lembro-me, mas tudo aquilo já se foi. “Just like tears in the rain”…
Continuar a ler