Má educação, boa colheita
Daniel Branco
"O êxito não tem sabor, nem cheiro, e quando te acostumas é como se não existisse", dizia a personagem Huma Rojo, no filme "Tudo Sobre a Minha Mãe", de Almodóvar. Com "La Mala Educación", o realizador espanhol volta a sentir o êxito, que se traduz em números: 300 mil espectadores apenas na primeira semana de exibição. Como se não bastasse, o filme que agitou a hierarquia da Igreja espanhola, mesmo antes de estrear, foi escolhido para inaugurar o Festival de Cannes, a 12 de Maio, o que à partida lhe garante algumas críticas favoráveis e a distribuição em várias salas europeias. <BR/>O que mais surpreende neste último Almodóvar é o facto de que "La Mala Educación" poderia não ser um filme do oscarizado realizador, uma vez que esta é a primeira incursão no "film noir" - Género que não respeita, tendo decidido misturar. Almodóvar prefere inovar, combinando, com milimétrico equilíbrio, cenas negras típicas de Douglas Sirk com momentos wilderianos de alta comédia. A estrutura narrativa, atípica e complexa dentro da sua filmografia, aproveita pontos de contacto entre três histórias para dar seguimento a uma acção principal. As três histórias, a de Ignacio e Henrique, a de Ignacio e o Padre Manolo e a de Ignacio e Juan, têm como denominador comum Ignacio, o homem pelo qual os três personagens estariam dispostos a "lançar-se aos crocodilos, como o fez uma mulher, no Zoo de Taiwan, na hora de maior afluência de público".<BR/>Ignacio e Henrique estudam num colégio religioso, nos anos 60. Juntos descobrem o amor, o cinema e a mitomania por Sarita Montiel. O padre Manolo, director da escola, apaixona-se por Ignacio e, como qualquer amante enfurecido, decide expulsar Henrique, o rival, do colégio. E Ignacio sofre em solidão os abusos do Padre Manolo. Os três personagens voltam a encontrar-se nos anos 80, e será nesta década, nos meandros da famosa "movida" madrilena, que cada um deles terá de analisar os erros da má educação e pagar pelos delitos do passado. Uma história em puzzle, em que cada uma das peças encaixam na perfeição.<BR/>A temática já tinha sido tratada (como história secundária) em "A lei do Desejo", quando Carmen Maura entra numa igreja e tenta ajustar contas com o padre que abusou dela, quando ainda era um menino. Mas em "La Mala Educación", o amor no limite é o tema principal. O Padre Manolo é-nos apresentado como predador, mas quando se reencontra com o ex-aluno, anos mais tarde, transforma-se em vítima. Almodóvar preferiu desta vez centrar-se em poucos personagens, mais intensos, e deixar a complexidade para a narração. <BR/>A banda sonora, excelente, é assinada uma vez mais por Alberto Iglesias. "La Mala Educación" canta um êxito anunciado. Porém, o mais importante é que este sucesso se pode tocar.
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