Estranha Forma de Vida
Título Original
Realizado por
Elenco
Sinopse
Críticas Ípsilon
Estranha Forma de Vida: uma extraordinária lição de cinema por Almodóvar
Pedro Almodóvar em formato curto é tão bom como em formato longo.
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Western Pronto a Comer
Maria João Silvestre
"Estranha Forma de Vida", de Pedro Almodóvar, estreou em Portugal a 12 de outubro de 2023. Tem como atores principais Ethan Hawke (Jake) e Pedro Pascal (Silva), contando com um breve, mas intenso, desempenho do português José Condessa na representação do jovem Silva. É a segunda curta do realizador, seguindo-se a "A Voz Humana" e antecipando-se à que culminará o tríptico, anunciado pelo cineasta.
No mesmo formato da primeira curta-metragem, Estranha Forma de Vida é apresentada ao público em articulação com uma entrevista a Almodóvar, que também faz um preâmbulo do filme. Nessa nota introdutória, é feita a classificação da obra quanto ao género - western- sendo que o diretor espanhol assume que está a “pôr o pé em ramo verde”, na medida em que se aventurou por uma categoria específica da cultura norte-americana. Aparentemente, será esse risco que justificará tanta incursão metadiscursiva associada a este filme.
Numa primeira leitura, o espectador até julga haver em curso um movimento desesperado de promoção da sétima arte, a justificar o agradecimento de Almodóvar pela ida ao cinema, antes do filme; agradecimento reforçado pela jovem entrevistadora no final da entrevista, que se segue à película. Candidato à Palma de Ouro no Festival de Cannes, a obra assume como hipertexto "O Segredo de Brokeback Moutain", realizado por Ang Lee, num jogo intertextual e de “cultural mix” muito próprio do cineasta ibérico.
Em cerca de trinta minutos, trata do reencontro entre dois amantes, vinte cinco anos depois. O facto de serem cowboys pouco acrescenta à masculinidade, tensão e emoção num jogo de representação que beneficia da curta duração da película, da contenção dos atores e das elipses da ação. O drama é conseguido sobretudo pelo que não é mostrado e pelo pouco que é verbalizado. Os planos de pormenor substituem, sugerindo, as cenas de sexo que se adivinham animalizadas. A qualidade da música e da fotografia, ao bom estilo almodovariano, contribuem para configurar esta curta como uma pequena obra de arte, plena de força, pela concisão e clareza emotiva. Contudo, em articulação com o preâmbulo e a entrevista, o filme fica a perder, pela ambiguidade que é lançada, a par de um discurso didático que é redutor, sugerindo que o realizador pretende ensinar o espectador a ler o filme. Ou isso ou pretende justificar-se pela escolha de um formato que considera menor. A ambiguidade acaba por ser a tónica do filme: a começar numa fala de Jake, que reconhece a contradição do seu conselho a Silva para evitar o álcool (potenciador da paixão entre os dois), enquanto lhe serve mais vinho; no lado complexo deste xerife, que cultiva o gosto pela culinária e requinte da mesa, a par da frieza e implacabilidade da profissão; insiste na lealdade a um irmão morto, sendo que, em vida deste, tivera um caso com a cunhada. Ainda, no facto de o reencontro dos dois homens ser motivado, afinal, por outras intenções que não somente o fogo do passado; Silva, a personagem mais emotiva, que mais insiste em verbalizar o que os une é a mesma que não hesita em disparar contra o amante, num ato calculista. Esta ambivalência é cultivada desde o início do filme pela música que dá nome ao filme, um original de Amália Rodrigues, num falsetto de Caetano Veloso, aparentemente cantado por Manu Rios. O fatalismo e a recusa da paixão dão o tom à narrativa, que, contraditoriamente, nas palavras do realizador, resulta de uma escolha sua, numa fase em que pode dar azo ao que lhe vai no coração, à sua vontade. Porque tem autoridade e estatuto. Tanto os tem que não se compreende a atitude reivindicativa dos mesmos, na insistência em justificar as suas escolhas, em inscrever a obra na esteira de outros realizadores de westerns modernos, como Jane Campion, em propor “westerns europeus” em alternativa a “westerns spaghetti”, e, acima de tudo, em chamadas de atenção com pistas de leitura, como a alusão às figuras femininas nos quartos das personagens homossexuais. Gritantemente, em diálogo com as fotografias do realizador com mulheres, na parede de fundo do espaço da entrevista. O pior desta edição tipo pack três em um (nota introdutória+filme+entrevista) é a continuação do final do filme na entrevista. Como se não bastasse alertar para a resposta que é dada à questão levantada em O Segredo de Brokeback Moutain (sem falar deste filme) – O que fazem dois homens sozinhos num rancho? -, Pedro Almodóvar sintetiza um outro filme imaginário, a contar o seguimento da narrativa, como se a resposta “Cuidam-se, protegem-se, fazem-se companhia” que surge no final desta curta-metragem não fosse suficiente. A sugerir que era mais pertinente um final trágico (o que prolonga na sua conversa), visto que a felicidade não será interessante em termos narrativos. A distribuição em pack retira o impacto a um filme poderoso, com uma estética irrepreensível. A insistência do realizador em definir linhas de leitura sugere que o público está a mudar, configurando esta abordagem como uma versão de cinema “pronto a comer”.
A queda de Pedro Almodóvar
Lucas
Nunca se tinha antevisto o que seria este cineasta em decadência. Talvez apenas no seu filme mais falhado ("Os Amantes Passageiros") se tenha tido um vislumbre do que seria uma versão barata daquilo a que nos habituámos a chamar "Almodovariano". Mas ainda assim nesse filme o território era familiar.
Neste filme novo não há nada desse território, nem nada que possamos apontar como original ou pessoal. Na verdade é o oposto: o filme mais anónimo do mundo, tão falso quando pôr a voz inconfundível de Caetano na boca de uma personagem que depois nem volta a aparecer. No fundo parece tudo apenas um pretexto para mostrar as roupas que pagaram o filme.
A narrativa acontece toda por via de exposição, no início, para ficar despachado. Depois há um flashback que é aquilo que faria o filme melhor se fosse mais longo. Nesse flashback acontece a coisa mais estranha do filme, que até agora não consegui interpretar: os actores que fazem as personagens no flashback deitam-se no chão e, quando parece que se vão masturbar mutuamente, recolhem as mãos sem que o gesto se tenha tornado claro ou compreensível. Fica-se com a ideia de que algo ali não passou para o espectador. A seguir o filme muda radicalmente para algo totalmente diferente, que não vale a pena tentar perceber.
Uma coisa é certa: Pedro, não digas que não ficaste com dor de corno por teres dito não ao "Brokeback Mountain", mas obrigado por teres percebido na altura que aquele universo não era para as tuas mãozinhas.
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