Não é uma obra-prima, mas...
Paulo Rodrigues
Este filme está longe de ser uma obra-prima mas também não merece, de todo, as críticas negativas que lhe têm sido apontadas. <br />Entre os leitores que já comentaram, aparece um pouco de tudo: autor demente e a carecer de urgente apoio psiquiátrico, péssimo e intragável, a pior obra de sempre, desilusão, decadente, mórbido, uma tortura, muito mau, destituído de sentido e de história, satânico, absurdo, sem fio condutor... enfim, os leitores não foram parcos nos "elogios" à obra de Aronofsky. <br />Pois, se querem saber, julgo que vos escapou o sentido último do filme. Para o entender, basta pegar na bíblia, já que o filme é uma metáfora sobre a mesma. Ali temos um deus criador, tendencialmente misógino ou, no mínimo, indiferente e distante para com a mulher. Um deus a viver uma crise criativa. <br />Um dia, esse deus inventa um Adão e, no seu aborrecimento e na sua falta de criatividade, fica fascinado com a novidade. Logo a seguir surge uma Eva e, pouco depois, um Abel e um Caim. <br />Depois... Bem, depois é o "crescei e multiplicai-vos". Quanto mais avança o filme, mais adeptos invadem o espaço. <br />Até que Deus é convocado para a missão de produzir um filho. Um filho que, milagrosamente, a sua mulher (a verdadeira protagonista do filme) sabe que irá ter, horas depois da fecundação. <br />A gravidez da mulher torna-se, para Deus, um elemento de renovação da criação. É a partir da expectativa do nascimento do filho que Deus reinventa a sua obra, produzindo o "poema" perfeito. <br />E, a partir daí, é imparável o crescente número de adeptos. Todos eles, embevecidos, rendidos, submetidos à perfeição da obra divina. Mas, em simultâneo, cada um com a sua própria interpretação / leitura sobre o sentido da obra perfeita. <br />Instala-se o caos e cada grupo quer impor a sua verdade sobre a obra perfeita. O incremento insano de adeptos que não se entendem (evidente metáfora sobre as ramificações e sub-ramificações do monoteísmo abraâmico - judaísmo, cristianismo, islamismo, cada um deles com as suas grandes e pequenas divisões) desencadeia todos os malefícios do nosso mundo. <br />No fim, depois de imolado o filho e de toda a demência (a nossa, e não a do autor do filme), a mulher (peça central do filme, muito mais do que Deus), desencadeia o apocalipse, deixando Deus perante a necessidade / obrigação de recomeçar tudo de novo, de fazer um reboot ao sistema. <br /> <br />O filme não é nenhuma obra-prima mas é, certamente, muito mais do que péssimo, destituído de história, absurdo e ridículo. O filme trata da indiferença de Deus sobre a mulher, da necessidade que este tem de ser adulado, reverenciado e glorificado; trata também da ilimitada insanidade humana na sua demente acefalia religiosa. <br /> <br />Não será a melhor das metáforas mas, aqueles que são incapazes de discernir, neste filme, uma história, andam com os olhos fechados à própria história da Humanidade e, em especial, à história de Deus, esse criador maldito que, depois de toda uma eternidade a sentir-se perfeito, precisou de criar algo. <br />Deixo, portanto, a pergunta final: pode ser-se perfeito tendo necessidades a carecerem de ser preenchidas? Se toda a acção visa, em última instância, a satisfação de uma necessidade, pode Deus ser perfeito? Ele próprio que necessitou de inventar aduladores para a sua obra? <br /> <br />É óbvio que não concordo com a leitora Lucy, que anuncia este como o melhor filme de sempre. No entanto, não podia discordar mais dos restantes leitores, que não encontram no filme nenhum tipo de paralelo. <br /> <br />
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