O regresso do cavaleiro das trevas
Gonçalo Sá - http://gonn1000.blogspot.com, http://cine7.blogspot.com
Nos últimos anos, o universo da banda desenhada tem servido de fonte de inspiração para múltiplos filmes, desde mediáticos super-heróis – "Homem-Aranha", "X-Men" – até referências mais marginais – "Sin City – A Cidade do Pecado" ou "Ghost World – Mundo Fantasma". Num período onde adaptações de ícones dos "comics" germinam como cogumelos, uma das personagens essenciais desses domínios teria de ser (re)aproveitada para mais um novo olhar cinematográfico. "Batman: O Início" ("Batman Begins") assinala o regresso do "alter-ego" de Bruce Wayne a territórios da sétima arte depois das visões de Tim Burton (que criou os aclamados "Batman" e "Batman Regressa") e Joel Schumacher (responsável pela ridicularização do defensor de Gotham City em "Batman Para Sempre" e, sobretudo, "Batman e Robin").<BR/><BR/>Tendo em conta os resultados desequilibrados dos filmes anteriores, esta nova aventura do homem-morcego era aguardada com expectativa e alguma relutância, mas as probabilidades do resultado ser competente aumentaram quando Chris Nolan, realizador do interessante filme de culto "Memento" e do curioso, mas mais convencional policial "Insónia", assumiu a direcção do projecto. Embora Nolan não se tivesse responsabilizado por um "blockbuster" até agora, a sua primeira experiência num filme desta dimensão não só é bem sucedida como proporciona o seu melhor filme até à data.<BR/><BR/>Criando uma atmosfera apropriadamente soturna e inquietante, o cineasta oferece em "Batman: O Início" uma obra que, mais uma vez, demonstra o rigor e equilíbrio visual que ajudaram a que os seus títulos anteriores se tornassem tão emblemáticos. Longe da vertente bizarra e onírica de Burton e do desbragamento carnavalesco de Schumacher (que conseguiu ser mais "camp" do que a série televisiva dos anos 60), Nolan origina uma perspectiva densa, crua e mais realista, apostando num registo sóbrio e sofisticado.<BR/><BR/>Mais centrado na dicotomia Bruce Wayne/Batman do que no carácter dos seus antagonistas (contrariando, assim, a tendência das adaptações anteriores), "Batman: O Início" explora o homem por detrás da máscara (ou a máscara por detrás do homem?), debruçando-se sobre as tensões e fragilidades do protagonista e evidenciando os motivos que fizeram com que um "playboy" milionário se tornasse num super-herói repleto de contrariedades.<BR/><BR/>Nolan constrói aqui uma obra inspirada, mas ainda assim irregular, uma vez que o olhar sobre o lado psicológico de Batman nem sempre é convincente (os momentos iniciais, repletos de frases feitas pseudo-profundas da filosofia oriental, são estereotipados e insípidos) e a envolvente aura intimista que o filme vai desenvolvendo é subitamente interrompida quando o argumento cede, nos últimos momentos, aos lugares-comuns de um banal "blockbuster" (não é que Nolan não seja competente nas cenas de acção, mas as doses de adrenalina do desenlance são pouco espontâneas e demasiado formatadas).<BR/><BR/>Mesmo com essas limitações, "Batman: O Início" impõe-se como um filme sólido e adulto, com personagens estimulantes e notáveis interpretações de todo o elenco. De resto, outra coisa não seria de esperar com actores do nível de Christian Bale (que compõe um intrigante e enigmático Batman, provavelmente o melhor que já se viu no grande ecrã), Katie Holmes (segura como advogada idealista, dando continuidade à promissora interpretação de "Pedaços de uma Vida"), Liam Neeson (competente, apesar da personagem mal explorada), Michael Caine (profissionalíssimo como sempre), Morgan Freeman (igual a si próprio, mas irrepreensível) ou Cillian Murphy (arrepiante como Scarecrow, num excelente desempenho que confirma a sua versatilidade ao distanciar-se dos papéis de "28 Dias Depois" ou "Intervalo").<BR/><BR/>Não sendo uma obra-prima, "Batman: O Início" é, contudo, um dos melhores "blockbusters" do Verão de 2005 e vai além dos requisitos mínimos de um filme-pipoca, contendo substrato dramático, intensidade visual e um realizador que soube compreender o universo do protagonista. Espera-se que, na inevitável sequela (que a última cena sugere descaradamente), os resultados sejam igualmente convincentes e estimulantes. 3/5 - Bom.
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