O estranho mundo de Willy
Gonçalo Sá - http://gonn1000.blogspot.com, http://cine7.blogspot.com
Um dos cineastas que, ao longo dos anos, tem definido e cimentado um universo próprio e repleto de sinais particulares, Tim Burton possui uma filmografia interessante mas também algo irregular, como as suas obras mais recentes – os pouco convincentes "O Planeta dos Macacos" ou "O Grande Peixe" - puderam atestar. "Charlie e a Fábrica de Chocolate" ("Charlie and the Chocolate Factory"), a sua película mais recente, adapta o livro infantil homónimo de Roald Dahl e segue as peripécias de Charlie Bucket, um rapaz britânico pobre fascinado pela fábrica de chocolates Wonka (os melhores do mundo) e que ganha, numa tablete, um bilhete que lhe permite visitá-la. Este prémio, partilhado por apenas mais cinco crianças em todo o mundo, abre-lhe as portas para um mundo envolto em mistério, uma vez que ninguém sabe como são os interiores da fábrica e o seu proprietário, Willy Wonka, é um multimilionário intrigante e atípico.<BR/><BR/>Misto de fantasia, drama familiar, comédia agridoce e mesmo algum "suspense", "Charlie e a Fábrica de Chocolate" recupera a bizarria e excentricidade que tornaram Burton num realizador singular mas que já não se encontravam muito presentes nas suas últimas obras. Felizmente, o cineasta reintroduz aqui a imaginação delirante, o desregrado humor negro e os envolventes ambientes góticos que o destacaram, tornando este no seu melhor filme desde o subversivo "Marte Ataca!".<BR/><BR/>Seguindo os modelos clássicos de uma fábula, onde o Bem triunfa sobre o Mal, sendo a virtude alvo de recompensa, "Charlie e a Fábrica de Chocolate" condimenta esta vertente algo maniqueísta com uma aura "nonsense" e ambígua que se encontra nas melhores películas de Burton. Willy Wonka é um dos mais conseguidos elementos dessa estranha peculiaridade, onde Johnny Depp compõe uma invulgar personagem cuja imagem contém tanto de Michael Jackson (!) como de José Castel-Branco (!!), escondendo-se por detrás de uma máscara de ironia que será derretida pelo calor emocional do jovem Charlie.<BR/><BR/>Apropriado para um público dos 7 aos 77, "Charlie e a Fábrica de Chocolate" é suficientemente ambivalente e ultrapassa territórios de um mero conto infantil, possibilitando mais do que uma leitura e focando temáticas que vão desde a desigualdade social às tensões das relações familiares, e Burton é especialmente incisivo na denúncia de alguns dos hábitos actuais das crianças (desde o egoísmo à excessiva competitividade, passando pela dependência de videojogos e da televisão).<BR/><BR/>Lúdico e pertinente, o filme cativa ainda pela soberba criatividade visual, especialmente inspirada nas surpreendentes atmosferas dos interiores da fábrica, propícios a uma imaginação sem limites que proporciona múltiplos pequenos prodígios.<BR/><BR/>Contudo, "Charlie e a Fábrica de Chocolate" possui também alguns elementos menos conseguidos, nomeadamente a construção das personagens, figuras demasiado lineares e esquemáticas, de escassa densidade emocional, onde apenas Willy Wonka e Charlie são a excepção (este último não tanto pela personagem - que não deixa de ser formatada - mas pela muito sólida e comovente interpretação de Freddie Highmore, ainda melhor do que a que o jovem actor tinha apresentado em "À Procura da Terra do Nunca").<BR/><BR/>Os números musicais dos Oompa-Loompas, embora contem com a composição do quase sempre recomendável Danny Elfman, são demasiado intrusivos e muitas vezes enfadonhos, e o músico sai-se francamente melhor nas partituras instrumentais. Mesmo com estes factores que o desequilibram, "Charlie e a Fábrica de Chocolate" é ainda um título refrescante e um dos mais entusiasmantes do Verão de 2005, diluindo os limites entre o real e o onírico e gerando um saboroso "blockbuster offbeat". Bem vindo de volta, Tim Burton. 3,5/5.
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