4 estrelas
JOSÉ MIGUEL COSTA
No plano de abertura surge uma citação de José Saramago (aliás, esta obra é uma adaptação de um dos seus mais aclamados livros, "O Homem Duplicado"), "o caos é uma ordem por decifrar", e o realizador "leva-a à letra", uma vez que ao longo de 90 minutos vai lançando múltiplas possibilidades/plantando ideias algo complexas (com muitas metáforas à mistura, por ex., o aparecimento sucessivo de aranhas ainda continua a dar-me "voltas na cabeça" - quando virem a película perceberão ao que me refiro) sem nos oferecer quaisquer respostas definitivas (cabendo-nos, enquanto espectadores activos, deixar a nossa imaginação voar e, deste modo, tentar encaixar as peças do - quiçá, indecifrável - puzzle , e, consequentemente, encontrar uma das possíveis interpretações). Mas este não é o único "mestre" de que Villeneuve se socorre para "justificar" o rumo do seu filme, de facto, logo num dos primeiros diálogos, é verbalizado pela "metade" do personagem principal que: "a História repete-se sempre, pelo menos duas vezes, disse um dia Hegel, ao que Karl Marx acrescentou, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa". <p> E feito o devido "enquadramento (pseudo)teórico" , poder-se-á contar um pouco do enredo - correndo um certo risco de revelar algo a mais - que tem por base um entediado professor de História, com uma vivência completamente monótona e repetitiva (tal como os padrões cíclicos da Historia que lecciona), tanto a nível pessoal quanto profissional, que um certo dia, por mero acaso, ao visionar um filme, que lhe havia sido sugerido, descobre que um dos personagens secundários é interpretado por alguém que é uma cópia perfeita de si. A partir desse momento inicia-se uma busca incessante/obsessiva pelo "outro" (e um jogo constante de dualidades). Quem serão "um e outro"? Clones? Irmãos gémeos separados à nascença? Uma só pessoa a quem a mente pregou uma partida, como forma de "viver uma outra vida", que lhe está vedada? Pois ... vejam e decidam-se! <br /> Não ficaram convencidos? Estou certo que mesmo após a sua visualização muitos continuarão a não o estar, pois é um filme que se destina a ser amado ou odiado (pelos mesmos motivos). Por isso, desde já vos digo que se, ao contrário de mim, são daqueles que não apreciam indefinições, ambiguidades, interrogações e simbologias (apresentadas em modo “slow motion”) mais vale nem colocarem os pés na sala de cinema. Já aos "outros" recomendo-o vivamente. </p><p> Saliente-se ainda que o interesse do filme reside não apenas na história (que muitos irão crucificar por ser uma adaptação muito livre da obra que lhe serve de base - no entanto, seria, igualmente, criticado, caso o sucedesse precisamente o contrário), mas -e sobretudo-, pela excelente interpretação de Jake Gyllenhaal (que com subtis nuances no seu "boneco" faz-nos acreditar estarmos perante indivíduos diametralmente opostos), bem como pela excelência com que a cidade de Toronto foi filmada pelo Villeneuve (servindo de excelente adereço ao ambiente depressivo, melancólico e opressivo que se impunha). </p><p> Ahh e li, numa qualquer entrevista, que Pilar del Rio afirmou que "Talvez não encontrem o livro, mas o José Saramago está dentro do filme"... e julgo que é um grande elogio! </p>
Continuar a ler