Cidade maravilhosa
Gonçalo Sá - http://gonn1000.blogspot.com, http://cine7.blogspot.com
Num período em que Hollywood parece ter descoberto a viabilidade comercial de adaptações cinematográficas de ícones dos "comics" norte-americanos, era uma questão de tempo até "Sin City - A Cidade do Pecado", série escrita e desenhada por Frank Miller, chegar ao grande ecrã. Uma das mais elogiadas obras do argumentista/desenhador que redefiniu heróis como Batman ou Demolidor, "Sin City - A Cidade do Pecado" assenta nos códigos do "film noir" e apresenta uma galeria de personagens, geralmente rudes e agressivas, que tentam sobreviver numa cidade não menos agreste e violenta. Se a série de BD era alvo de culto e prestígio, o filme promete alargar a esfera de admiradores - e de incontornáveis detractores - já que é alvo de uma divulgação massificada e não é conhecido apenas por um nicho fiel mas restrito.<BR/><BR/>O "hype" é tão grande que já muitos consideram que esta adaptação é o - ou um dos - melhores filmes do ano, assim como uma das películas mais fiéis à matriz dos "comics". Realizado por Robert Rodriguez e pelo próprio Frank Miller - contando ainda com uma sequência dirigida por Quentin Tarantino - "Sin City - A Cidade do Pecado" manifesta uma absoluta reverência à BD que lhe deu origem, apresentando uma exímia reprodução das nebulosas atmosferas urbanas, marcadas por ambientes nocturnos e inóspitos.<BR/><BR/>O filme impressiona visualmente ao recorrer a um dos grandes trunfos das "graphic novels" de Miller: um vibrante contraste cromático entre o preto e o branco, intensificando a carga "noir" e gerando uma aura peculiar e absorvente. A espaços, algumas manchas de cor estrategicamente escolhidas - vermelhos e amarelos garridos, sobretudo - invadem algumas cenas, concedendo ao filme um estilo único e hipnótico.<BR/><BR/>Estilo é, de resto, a palavra-chave de "Sin City - A Cidade do Pecado", já que Rodriguez aproveita para regressar aos tons "cool" que se julgavam já perdidos depois do realizador enveredar por subprodutos como "Spy Kids". O criador de "Desperado" ou "Aberto até de Madrugada" assinala aqui um saudável regresso à forma, misturando bem os ingredientes para criar uma intensa experiência cinematográfica.<BR/><BR/>Desdobrando-se em três histórias centrais, o filme contém um núcleo de personagens que seriam a pior companhia a encontrar num beco escuro: polícias sem princípios, prostitutas letais e armadas até aos dentes, criminosos à beira da loucura e demais figuras obscuras que se entrecruzam - raras vezes de forma pacífica - nas suas travessias nocturnas. Marcadas pelo amor (ou falta dele), sexo, agressividade e egocentrismo, a maioria dos protagonistas do filme não olha a meios para atingir os fins, por isso quem estiver no seu caminho é só mais um alvo a abater.<BR/><BR/>Marv (visceral Mickey Rourke), uma criatura gigantesca e ameaçadora, é subitamente tocado pelo amor quando a misteriosa Goldie (Jaime King) passa uma noite com ele. Contudo, esse breve momento não é mais do que um ameno interlúdio na sua vida, uma vez que, ao encontrar a sua amante morta na cama, Marv volta a entrar numa espiral de crueldade em busca de vingança contra os responsáveis pelo assassinato.<BR/><BR/>O lacónico Dwight (magnético Clive Owen) é forçado a enfrentar o esgrouviado Johnny Boy (Benicio Del Toro, hilariante) para proteger a sua namorada (Brittany Murphy, num desempenho sem grande carisma), mas depois disso terá de auxiliar um grupo de prostitutas - lideradas por um amor antigo, Gail (uma efervescente Rosario Dawson) - a lidar com inimigos bem mais sinistros.<BR/><BR/>Na terceira história, Hartigan (Bruce Willis, igual a si próprio) protege obstinadamente uma criança de investidas pedófilas, e acaba por se apaixonar por esta ao reencontrá-la anos mais tarde, quando Nancy (Jessica Alba, uma boa surpresa) é já uma mulher.<BR/><BR/>Protagonizado por um atractivo lote de estrelas - para além das referidas acima pontuam ainda Elijah Wood (macabro como nunca antes), Josh Hartnett (intrigante, mas sem muito para fazer), Nick Stahl ou Michael Clarke Duncan - "Sin City - A Cidade do Pecado" conta com um elenco titânico e só peca por nem sempre saber aproveitá-lo, pois há actores cuja participação é pouco mais do que um "cameo".<BR/><BR/>O problema é de um argumento que, apesar de estimulante, não se preocupa em inserir grande densidade às personagens, reduzindo-as a figuras unidimensionais e estereotipadas. Caso estes anti-heróis tivessem maior complexidade, "Sin City - A Cidade do Pecado" seria não só um filme poderoso, formalmente irrepreensível e com uma energia contagiante, mas facilmente atingiria o estatuto próximo de uma obra-prima. Assim, é uma dinâmica experiência sensorial, carregada de estilo, mas algo desequilibrada na substância que contém.<BR/><BR/>Este elemento manifestava-se também no sobrevalorizado "Kill Bill - A Vingança", mas Tarantino conseguiu um maior equilíbrio no segundo episódio dessa saga, inserindo-lhe uma vital densidade dramática. Rodriguez, como já é habitual tendo em conta a sua filmografia, aposta apenas na caricatura e no superficial, e embora se saia bem - sobretudo nas electrizantes peripécias que envolvem Clive Owen/ Rosario Dawson/ Benicio Del Toro - não consegue fazer milagres.<BR/><BR/>O resultado é um divertido, brutal, dinâmico e muito pouco verosímil exercício de estilo, que não desilude mas também não é tão bom ao ponto de ser incensado. Ainda não é desta que Brian Singer ("X-Men", "X-Men 2") e, principalmente, Sam Raimi ("Homem-Aranha", "Homem-Aranha 2") perdem o estatuto de cineastas que adaptaram de forma mais inspirada heróis da BD para cinema nos últimos anos. Talvez Rodriguez atinja esse nível nas sequelas de "Sin City - A Cidade do Pecado", já em preparação. 3/5 - Bom.
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