Entre a decadência e a esperança
Pedro Brás Marques
Esta é uma história sobre decadência, redenção e esperança de pessoas e de lugares. A América, em especial o Midwest, onde se inclui o estado que dá o nome ao filme, atravessa uma crise económica e isso reflecte-se na vida das pessoas. <p> Woody é um septuagenário sem grandes ambições na vida, mas com uma obsessão: reclamar o prémio de 1 milhão de dólares que ele acha que ganhou, após receber um ‘junk-mail’ a que dá credibilidade. A família bem tenta demovê-lo, mas a sua teimosia leva a melhor. Depois de várias fugas, um dos filhos concorda em levá-lo aos escritórios da empresa mencionada na carta. E partem em viagem, passando pela localidade onde Woody nasceu e cresceu e onde ainda vive a sua família. É um regresso para ele e um percurso de descoberta para o filho. Uma vez que, agora, é “milionário”, acaba por ser visto como um herói local por uns, como fonte de rendimento, por outros... Já o filho, através dos relatos dos amigos, vai descobrindo o passado do pai e refazendo a imagem que tinha dele. </p><p> O paralelismo entre o fim da vida de Woody, a sua crença numa salvação miraculosa, mas igualmente a sua capacidade de sobrevivência e a sua redenção, são uma metáfora para o actual estado da economia norte-americana, onde o desemprego grassa, os cuidados sociais são escassos e onde o abandono do interior é uma constante. Esta melancolia que atravessa um filme cuja história, já de si, tem muito de nostálgica, é ainda sublinhada pelo facto de “Nebraska” ter sido filmado a preto-e-branco, com longos planos onde podemos assistir ao lento desenrolar da acção, mas sem nunca se tornar maçador. Porque aquele é o tempo necessário para as coisas acontecerem… A dimensão psicológica das personagens atinge, aqui, uma dimensão rara no cinema contemporâneo, em especial no norte-americano. Quer Woody, quer o filho David, sem esquecer o “grilo falante” que a todos chama à razão, Kate a mulher e mãe dos dois protagonistas, são pessoas com uma enorme vida interior. É óbvio que para aguentar uma história com um tal peso dramático seriam necessários ingredientes de primeira qualidade. Nos actores, o destaque vai inteiro para Bruce Dern no papel de Woody e para June Squibb no de Kate. Ele, oscilando desconcertantes silêncios com tiradas de profunda sabedoria e ela com um saber de experiência feito, são os dois pólos do que poder ser um fim de vida complicado materialmente, mas vivo e comprometido a dois. Mas estou em crer que nada disto funcionaria se o realizador não fosse Alexander Payne, alguém que sem exibir uma obra extraordinária, tem oferecido grandes frescos sobre o que é a família moderna e o aproximar do fim da vida: foi assim em “As Confissões de Schmidt”, com um dos melhores papéis da carreia de Jack Nicholson enquanto recém-reformado em busca de dar sentido ao que resta da sua existência; ou a complicada partilha de bens contraposta à herança invisível vinda dos antepassados em “Os Descendentes”; e sem esquecer esse grande filme que dá pelo nome de “Sideways”, onde o ‘in vino veritas’ parece ser a fórmula de escape para dois encravados homens de meia-idade. </p><p> É óbvio que não poderia deixar de falar de um outro “Nebraska”, o disco acústico de 1982 de Bruce Springesteen, a sua obra-prima. Aparentemente, nada une estes dois “Nebraskas”, para além do título. Mas a verdade é que, com trinta anos de diferença, ambas investem por uma temática que prova que o colorido e luminoso ‘American Dream’ mais não é que um pesadelo a preto-e-branco, uma terra prometida que faltou à palavra dada… </p>
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