Olhó vídeo
Gonçalo Sá - http://gonn1000.blogspot.com e http://cine7.blogspot.com
Conhecido por títulos formal e tematicamente desafiantes e frequentemente polémicos – como "Brincadeiras Perigosas", "A Pianista" ou "O Tempo do Lobo" -, o austríaco Michael Haneke é um cineasta cuja filmografia tem alimentado os mais acesos ódios e paixões, reflectindo o extremismo das suas obras. "Caché", o seu filme mais recente, apresentado na 6.ª Festa do Cinema Francês, é mais uma fonte de reflexão sobre questões que já se tornaram indissociáveis das suas películas, como a violência, a tensão do quotidiano, os desajustes sociais ou o poder da imagem, exibindo novamente uma realização segura, austera e clínica, gerando ambientes frios e inóspitos.<BR/><BR/>Georges, um jornalista literário, começa subitamente a receber cassetes de vídeo com imagens filmadas na sua rua, muitas delas registando cenas suas ou da sua família. Ao verificar que estes vídeos começam a ser enviados de forma regular – sendo por vezes substituídos por desenhos igualmente inquietantes -, Georges e a sua esposa tentam pedir auxílio à polícia, mas uma vez que não ocorreram quaisquer actos de violência a intervenção desta é nula.<BR/><BR/>Aos poucos, o protagonista vai conjecturando acerca de eventuais autores dessas provocações, o que o leva a recordar, em especial, acontecimentos que marcaram a sua infância e que estavam já quase esquecidos. Mas ao tentar enfrentar esses fantasmas do passado vê ameaçada a sua vida conjugal, familiar e social.<BR/><BR/>Apostando numa mistura de "thriller" psicológico e drama familiar, "Caché" é mais uma viagem por domínios desconfortáveis, marcados pela vingança e solidão, mas desta vez Haneke é mais comedido em episódios de violência física, distanciando-se das sequências cruas e viscerais que contaminavam títulos como "Brincadeiras Perigosas" ou "A Pianista2.<BR/><BR/>Durante algum tempo, "Caché" dissemina um interessante olhar sobre a claustrofobia e inquietação de atmosferas urbanas contemporâneas, mas a certa altura o argumento estagna, as personagens recusam-se a passar da superficialidade (apesar de interpretadas por actores do nível de Daniel Auteuil ou Juliette Binoche) e o filme entra num monótono piloto automático, com cenas demasiado longas que nunca chegam a resolver um mistério que se arrasta durante quase duas horas.<BR/><BR/>Assim, o resultado final é insípido e fastidioso, sobretudo quando Haneke tenta abordar questões político-sociais que envolvem a França actual, como as tensões com a Argélia, momentos que apenas contribuem para que o filme se torne mais indeciso e abstracto (à semelhança do que aconteceu com o inconsequente "Código Desconhecido"). É pena, sobretudo porque o cineasta oferece alguns impressionantes episódios inspirados, como a sequência inicial, mais um dos seus conseguidos jogos com a ambiguidade da imagem, ou pontuais concentrados de "suspense". Mas é pouco, muito pouco, para alguém que já provou ser capaz de gerar filmes memoráveis. 1,5/5 - Dispensável.
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