Maradona
Carlos Natálio /http://www.mooviz.org/
O título “Maradona by Kusturica”, a par com o poster oficial do documentário do realizador sérvio, parece ser bastante claro quanto à premissa que sustem o retrato sobre a estrela argentina Diego Armando Maradona. Naquele, Emir surge - em pequeno - contra um muro onde o futebolista - em grande - aparece em forma de ícone com evidentes semelhanças à célebre composição de Che Guevara. A disposição gráfica indicia portanto que o “by Kusturica” é a afirmação de uma subjectividade presente mas menorizada face ao objecto a retratar. Mas se assim fosse para quê afirmá-lo? Uma vez que o acto documentarista é por excelência um espaço de subjectividade controlada. Parece-nos então que a razão da presença autoral bem vincada mostra que a dimensão gráfica apresentada no poster – uma presença em destaque e outra secundarizada - é um logro. E não são só as razões comerciais que ditam que este seja antes um documentário “Maradona and Kusturica”.Desde as primeiras imagens do documentário que Kusturica cola simultaneamente à imagem de Maradona uma dupla dimensão: a de um Deus, em celebração do qual o próprio movimento do planeta poderá ter sido alterado quando todos saltámos a festejar o seu golo contra a Inglaterra na final do Mundial de 86; e a de ícone revolucionário, símbolo e herói de um mundo injustiçado contra o poderio das potências americanas e inglesas sobre o resto do globo. Mas não nos esqueçamos que quem isto diz é, ela própria, uma superstar do cinema mundial, (pelo menos desde “Underground”) com direito a uma cidade “sua” no sul da Sérvia e com conhecidas opiniões activistas. Ou seja, para um discurso tão excessivo era necessário alguém tão igualmente excessivo para o proferir. E é nesta equivalência e comparação de egos, entre o realizador e o futebolista, que se encontra, na nossa opinião, o que de melhor tem “Maradona by Kusturica” para nos oferecer. No fundo, a questão que se coloca é: como pode um deus “admirar” outro deus? Neste sentido o documentário superioriza de forma algo vazia o astro argentino, pululando de forma mais ou menos anárquica entre entrevistas intimistas a Maradona, sequências de animação kitch e curiosidades acerca da lenda (como é o caso da igreja “maradoniana” e seus rituais cómicos). Ou seja, a forma, despretensiosa, vagueante, pertence por inteiro ao “deus sérvio”. E neste discorrer autoral, entre citações de Borges e Baudelaire que possam ilustrar a visão que Kusturica tem do mito Maradona, a admiração surge meramente circunstancial. Admitimos que essa circunstancialidade pode ser meramente aparente mas é o que se pode concluir da afirmação de que os verdadeiros heróis têm se ser simples e honestos e depois se intelectualiza o discurso como o faz Kusturica. Veja-se a relação traçada a seco entre o fascínio por Maradona e as ideias generalíssimas sobre Jung e Freud. É como que um falso olhar de “cima para baixo”, da alta cultura para a baixa cultura, caindo assim a estratégia de endeusamento de Maradona em algo pouco credível, pouco fundamentado. Maradona diz a certa altura que é um verdadeiro actor da sua própria vida. Mas em “Maradona by Kusturica”, o futebolista argentino, na sua incrível dignidade de deus em crise interior, assume o papel de actor, não da sua vida, mas de um filme de Emir Kusturica e da sua visão pseudo-revolucionária da humanidade. E isto sem que se aperceba muito bem de como tudo se passou. Resta-nos que da premissa inicial de “Maradona by Kusturica” ressai a sua cirúrgica pouca eficácia: na forma de construir um retrato esclarecedor; e mesmo no mais fácil e evidente, traçar as ligações biográficas e de carácter entre Maradona e Emir Kusturica. As ligações surgem substituídas por “comparações”. E já sabemos quem fica por baixo. A voracidade entre deuses serve-se fria.5/10
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