Um mortal na Cidade Eterna
Pedro Brás Marques
O filme começa no terraço dum prédio, em Roma. Várias dezenas de pessoas dançam, bebem e divertem-se num aniversário transformado em ‘rave’, talvez a versão contemporânea dos bacanais do Império Romano. A música que se ouve é uma versão house/techno do ‘hit’ «A fare l'amor comincia tu», da loiríssima Rafaella Carra, mas agora com o ‘french touch’ de Bob Sinclair. Roma é isto. Uma cidade em constante renovação e reinventação. Porque Roma é a cidade é eterna. <p> Mas se a cidade o é, o corpo humano já não se pode arvorar de tal Graça. É finito. E, com o passar do tempo, entra em acentuada decadência. Jap, um escritor que teve, ainda novo, o único sucesso da sua carreira, celebra 65 anos de uma vida hedonista, onde a superficialidade impera, ao contrário da “sua” literatura. E ele vai-se apercebendo de que há muita coisa à sua volta que não merece atenção e, outra, que nunca foi alvo do seu investimento pessoal, permanecendo carente do seu cuidado. Jap olha para o que o rodeia, mas também para o passado, quando era jovem e vigoroso, imortal como a sua cidade. Será que ainda há tempo de retornar à sua essência, à de escritor? </p><p> Roma volta a ser personagem, simbolizando a passagem do tempo e a efemeridade da existência humana. Não por acaso, o luxuoso e moderno apartamento de Jap tem vista para o Coliseu… Tal como há dois mil anos, a decadência, a hipocrisia e a falsidade da classe alta romana, a futilidade de uma vida pautada só pelo prazer, tudo isso são elementos ainda presentes, porque não pertencem à História, mas à natureza humana. Também por isso, “A Grande Beleza” evoca, imediata e inevitavelmente, o fabuloso “La Dolce Vita” de Frederico Fellini. Mas enquanto Marcello Mastroianni e Anita Ekberg deambulavam, lascivos, pela cidade, explodindo no ecrã num caleidoscópio de sensualidade e beleza, aqui o ambiente é de fim de festa. É de reflexão sobre o que se é e o que se podia ter sido. Tal como qualquer vida, também o filme vai oscilando entre momentos de grande euforia com outros de absoluto tédio. E tal como era timbre do genial cineasta italiano, também aqui temos episódios de um humor desconcertante ao lado de outros de profunda emotividade. Obviamente que Paolo Sorrentino não é Fellini e a mistura não sai tão perfeita. Mas isso não impede “A Grande Belleza” de ser uma das propostas mais interessantes dos últimos tempos a aparecer numa sala de cinema. Finalmente, uma referência que se impõe: Tony Servillo, o actor que dá vida a Jap e que já havia incarnado, superiormente, o sinistro Giulio Andreotti em “Il Dottore”, também sob a batuta de Sorrentino, está perfeito, num papel que lhe exigiu uma interpretação de enorme amplitude dramática. </p><p> «A Grande Beleza» venceu o respectivo BAFTA e Globo de Ouro, tendo sido candidato à Palma de Ouro de Cannes. E ainda é um dos nomeados para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. Seria uma beleza obtê-lo!.. </p>
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