E fez-se FBI
Nazaré
Pelo trailer andava desconfiado desta fita, cheirava a banalidades. Mas acabo por considerá-la boa, não tanto pelo duelo entre "inimigos públicos" que nos vendem nesse trailer, nem pela figura de John Dillinger, mas pelo contexto histórico da guerra ao "inimigo público" durante a Grande Depressão, com o FBI a tratar de eliminar o famoso assaltante de bancos (e, de caminho, Baby Face Nelson) como primeira missão. Para isso recorrendo ao agente todo-especial Melvin Purvis, e seus métodos científicos (incluindo um novo critério de recrutamento). E até podemos ver como o crime mais lucrativo afinal andava (como sempre andará) um passo à frente, dando-se até ao luxo de ajudar o FBI para se livrar do incómodo Dillinger, bem como certamente obter contrapartidas! Não é historicamente exacto em muitas coisas, mas no essencial é excelente pretexto para visitar estas realidades do "berço" do FBI.
Também é interessante o tema do remorso sobre a morte de amigos nas batalhas que se vão sucedendo. John diz até a Melvin para mudar de carreira, como se de algum modo soubesse ler nos seus olhos o remorso. Noutro polícia (Charles Winstead, uma impressionante presença de Stephen Lang) não há nada disso, e se se julga que ele foi passar uma mensagem humanitária à namorada de Dillinger, pense-se antes que foi um meio de aniquilar-lhe as esperanças. Cruel como real.
Embora as personagens tenham todas existido, e os locais referidos sejam reais, a "dramatização" faz uma série de barbaridades, pois o FBI só começou oficialmente depois de 1934, Melvin Purvis saiu do FBI (e também deste mundo) por razões diferentes do que é afirmado (o dedo de Hoover ainda hoje se faz sentir?), e brinca-se com a cronologia à vontade do freguês. Mas há compensações para isto tudo, felizmente.
Johnny Depp adequa-se muito bem à personagem de Dillinger, geralmente cortês, geralmente galante, geralmente aprumado, dir-se-ia um quase aristocrata, e só às vezes -- só o necessário - brutal e impiedoso. Acima de tudo ele é o herói popular por quem as multidões se deixaram fascinar (há um momento delicioso do filme a mostrá-lo). Fascínio tal que, dizem as crónicas, terá havido pessoas a ensoparem lenços e barras de saia no sangue dele como recordação! Ele não era o primeiro inimigo público, mas era na altura o nº 1 em boa parte por esta popularidade. A popularidade de Purvis também o transformou em inimigo "privado" de Hoover, diga-se... Marion Cottillard está igualmente bem como namorada exótica, a quem o mesmo fascínio toca tão mais de perto, e pelo qual tudo vale a pena. Grande actriz, grande direcção! E Christian Bale, nesta versão de Purvis é uma máscara com um homem escondido, superpolícia, supereficiente, e no entanto perseguido pela ideia de descobrirem como é o homem. Hierático. Notável reconstituição da época, consegue ir mais longe neste aspecto do que “Road to Perdition” ou “Cinderella Man”. Há um gosto pelos detalhes, desde o vestuário aos comportamentos, um ar de documentário (onde se intercalam dramas individuais, mas na essência um documentário), tudo respira autenticidade, também por isso e apesar das "liberdades" históricas dá gosto ver.
Continuar a ler