Adolescência
Paula Oliveira
"Elephant" é um filme magistral. Filme sobre a violência? Claro. E Gus Van Sant "metendo-nos" dentro da escola, obriga-nos, sem falsas piedades e a cada sequência do filme, a questionarmo-nos alternadamente: porquê? qual deles? porquê? qual deles?, para, no final, nos deixar sem resposta. "Bowling for Columbine" apostara numa tese. Com alguma demagogia mas, ainda assim, uma tentativa de resposta com alguma sustentação. Nesse aspecto, "Elephant" é também um filme sobre a violência, no seu aspecto social e político. Mas "Elephant" é muito mais que isso. É sobretudo um filme sobre a adolescência. Percorre rostos de rapazes, de raparigas, uns tristes, outros que choram, alguns anódinos, outros duros, revelando com subtileza o tumulto interno que é a adolescência. <BR/><BR/>Deixa-nos entrever, nos curtos diálogos trocados entre eles, as suas problemáticas: adolescentes bulímicas, filhos de pais alcóolicos, conflitos de gerações... E, acima de tudo, percorremos com esses adolescentes corredores que parecem não acabar (sumptuosa a forma como o realizador domina o correr do tempo, ora em tempo real, ora em breves momentos de câmara lenta, ora voltando atrás na acção para lhe acrescentar algo mais), metendo-nos na pele de cada um daqueles seres silenciosos, sós, isolados nos seus mundos, alheios às personagens, adultas ou pares que por eles passam esfumadas...<BR/><BR/>Se há questões sociais e políticas que são incontornáveis o grande desafio que Van Sant nos lança é o de qual a fronteira entre o normal tumulto da adolescência e o caos patológico instalado. As três jovens "futéis" tiveram como sinal da sua patologia a bulimia; John, com um pai alcoólico, consegue chorar; uma câmara fotográfica surge-nos como ameaçadora mas será a criatividade que ela permite, a sublimação conseguida de outro qualquer problema? E, com todos os outros cujos nomes nos são apresentados, conseguiríamos encontrar ou não saídas? <BR/><BR/>Mas há Michelle. Michelle é tão ostracizada pelos colegas quanto um dos assassinos. Mas Michelle não matará. Um país de armas, já o sabemos. sociologia da adolescência, dos tempos que atravessamos, sociologia, política, valores de um país arrogante porque com medo... Mas, algo separa Michelle do assassino. E esse algo é já de ordem individual e familiar. Subtilmente, Gus Van Sant mostra-nos porque Michelle não poderia ser assassina: as suas dificuldades com o corpo e o isolamento a que foi votada (e/ou se deixou votar) são vividas na dor psíquica espelhada num olhar cabisbaixo e triste, numa postura de ombros caídos. Que vemos no olhar do outro ostracizado? Nada! A sua forma de viver a dor é exactamente a impossibilidade de a viver, de a elaborar e, portanto, só lhe resta passar ao acto. Não há piano que o salve pois toca-o mal dado que sem emoção e a Beethoven "agradece" com o dedo erguido. <BR/><BR/>Mas que dizer do outro assassino que, aliás, só aparece quase no final do filme? É ele a peça de resistência da proeza conseguida por Van Sant de não nos poupar, de nos remeter para a impotência e desespero, face à questão que coloca nunca se deixando cair na tentação de nos oferecer uma pista, por muito pequena e improvável que fosse de chegarmos a uma resposta. No segundo assassino (chamemos-lhe assim) concentra-se precisamente a questão fulcral do filme: porquê estes e não os outros? <BR/><BR/>Filme cinematograficamente lindíssimo. Fabulosa excursão psicológica pela adolescência. E, como um soco no estômago, incursão psicológica dentro de cada um de nós.
Continuar a ler