Depois de a namorada ter terminado uma relação de seis anos, Wah recebe no dia seguinte a visita da prima, Ngor. Está doente, vem fazer uns exames médicos, vai ficar uns dias. Wah é um gangster, a violência acompanha-o desde a adolescência, primeiro é apenas curiosidade que define a relação dos dois mas depois talvez se apaixonem um pelo outro.

Ngor também abandona Wah, regressa à sua cidade mas deixa-lhe um “convite” na forma de um copo escondido. “As tears go by / Ao sabor da ambição” é o primeiro filme de Wong Kar-wai e é na primeira camada um filme de gangsters, há a violência coreografada em slow-motion, há as perseguições, a morte como uma sombra que nunca desaparece; mas é uma camada muito fina, debaixo dela o filme é uma trágica história de dois amores, o amor de Wah e Ngor (ao som duma versão em mandarim de “Take my breath away”, uma balada “peganhosa” que foi um enorme êxito dois anos antes) e o amor de Wah pelo seu “irmão” Fly (a expectativa de um filme de gangsters desliza irremediavelmente para o melodrama).

Porque a loucura deste, a procura de afirmação pelo desafio, o colocam constantemente em sarilhos, em apertos que Wah tem de resolver. Para este é um vai-e-vem entre Ngor (um amor que acontece sem nunca acontecer) e Fly. Um confronto sem resolução (no fim a história abre fendas no melodrama, e encharca-se em violência). Se ao filme falta ainda a feeria visual que caracterizaria os seus filmes nos anos noventa, está já aquilo que distingue Cinema de Wong: a luz constante a aprisionar os corpos dos personagens num tempo que rodopia, uma narrativa contada como um beco sem saída, uma piada terrível (um néon a mostrar “Future”), personagens muito jovens já paralisados pela vida sem sentido, sonambúlicos, o “fim” a um passo…

É um filme cruel para as suas personagens. “Pessoas como nós não têm amanhãs”. O final só pode ser trágico. Se o filme ainda acredita no seu argumento, e ainda bem – isso dá um peso esmagador ao que conta, percebemos já nele as sementes para os estilhaçamentos que definiriam os seus filmes seguintes (as imagens a “destruir” a história). Com Andy Lau e Maggie Cheung, “As tears go by” é um filme importante para percebermos as idiossincrasias do Cinema de Wong. E o seu olhar sem encanto sobre a vida dos personagens numa Hong Kong a dez anos de voltar a ser território chinês não deixa de ser muito belo na sua tristeza. (em "oceuoinfernoeodesejo.blogspot.com")