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A Inglesa e o Duque

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Drama 129 min 2001 M/12 08/11/2002 FRA

Título Original

L'Anglaise et le Duc

Sinopse

São as memórias de Grace Elliot, uma bela aristocrata inglesa que vive em França durante a Revolução Francesa e da sua relação, ora tempestuosa, ora afectuosa, com Philippe, Duque de Orléans. Philippe, apesar de ser primo do Rei Luís XVI, é um apoiante das ideias revolucionárias. A inglesa consegue persuadir o Duque a salvar um fora-da-lei, mas não consegue evitar que este vote a favor da execução do Rei. <br/> A ideia do filme partiu de um artigo que Eric Rohmer leu, há cerca de dez anos, numa revista de História, sobre as memórias de Grace Elliot. O artigo dizia que ainda se podia encontrar a sua casa num certo número da rua de Miromesnil, em Paris. "Sempre me interessei pelos lugares: o facto desta casa ainda existir impressionou-me particularmente. E isso deu-me a ideia de fazer um filme que decorresse nesse local específico de Paris, que representasse a relação entre esse apartamento sossegado, que servia como uma espécie de esconderijo de Grace, e o resto da cidade em plena tormenta revolucionária.", conta o cineasta. O curioso é que afinal o artigo estava errado e que, afinal, o edifício da rua de Miromesnil é posterior à Revolução.<br/> "A Inglesa e o Duque" é a última longa-metragem de um dos maiores cineastas vivos e foi apresentado na edição de 2001 do Festival de Veneza, onde Rohmer recebeu o Leão de Ouro pela sua carreira.<p/>PUBLICO.PT

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Rohmer e a Revolução

Ricardo Pereira

Para reconstruir a Paris do final do século XVIII, o cineasta Eric Rohmer usou a tecnologia digital e inseriu quadros pintados no meio dos personagens. Apesar do tom necessariamente artificial, o resultado é incrivelmente realista. Ao invés de buscar uma ilusão perfeita (ou certo "naturalismo"), Rohmer busca a convenção, o pacto com o espectador. O cenário está "descolado" do mundo em que seus personagens agem, ou, por outro lado, é a representação desse "mundo em construção" da época da Revolução Francesa. Assim, os personagens que às vezes parecem estar desligados daquele mundo são apenas a representação das incertezas da Revolução. É o movimento da História que se torna aparente. “A Inglesa e o Duque” não pretendia iniciar um debate histórico, mas simplesmente mostrar como os grandes acontecimentos ganham cores inusitadas quando vistos pelos olhos de um indivíduo que os testemunha, e não por um historiador que os interpreta e unifica. Nesse sentido, é sintomático que o realizador tenha optado por adaptar um livro de memórias, e não um romance histórico ou um ensaio, em sua ousada abordagem da Revolução Francesa. Na França, o filme foi excluído da lista oficial de representantes franceses no Festival de Cannes de 2001 e suscitou uma forte desconfiança. É que Rohmer mexe com um dos tabus da Revolução Francesa (iniciada em 1789): os seus períodos de extrema violência política conhecidos como Terror (1792) e Grande Terror (entre 1793 e 1794), durante os quais milhares de pessoas, entre nobres, políticos e agentes da própria revolução, foram levadas à guilhotina, inclusive o rei Luís XVI e sua mulher, Maria Antonieta. No processo da Revolução Francesa, "le peuple", o povo, deixa de ser uma idealização paternalista e subalterna e vira um conceito político afirmativo, investido de acção primordial na história. A idéia de que a Revolução foi feita pelo povo e para o povo e que, assim, este triunfou legitimamente sobre as injustiças seculares, firmando-se como categoria social dominante, é um dogma da história política da França. O povo é também uma categoria da arte francesa. A partir de 1789 ele aparece, sempre de maneira heróica, jubilatória e revolucionária, nos romances, nos poemas, nos quadros e, mais tarde, nos filmes. Jean Renoir é o maior cineasta do "peuple" francês, aquele que fez a principal representação deste povo no cinema, em filmes como "La Maseillaise". Mas a visão do povo em Renoir é altamente complexa. Filho do naturalismo, para ele o homem do povo é aquele para onde confluem o instinto animal e o humano demasiadamente humano. E, como filho do socialismo populista, o realizador opõe a espontaneidade, a solidariedade e a energia dos conjuntos populares à hipocrisia, ao individualismo e à etiqueta retentiva da aristocracia e da burguesia. É com Renoir que Rohmer, no fundo, dialoga. Além de problematizar o Terror e o terrorismo, seu filme é uma grande interrogação lançada sobre dois séculos de representação revolucionária do "povo" no imaginário político e cultural francês e ocidental. Apenas uma interrogação que Rohmer deixa sem resposta mas que pelo simples fato de colocá-la, no entanto, levantou suspeitas de que o realizador teria adoptado uma perspectiva aristocrática ou reaccionária em "A Inglesa e o Duque". Em meio a tanta discussão política, pode passar despercebido para muitos espectadores de "A Inglesa e o Duque" o modo bastante sensual como Rohmer filma o colo da actriz Lucy Russel, no papel de Grace Elliot, a autora do diário em que o filme se baseia. É como se, entre admiração e crueldade, o realizador dissesse: que pena este lindo pescoço estar sempre a um passo de ser condenado à guilhotina. A ameaça que paira sobre a personagem, explorada sensualmente pela imagem, é um efeito hitchckoquiano do cinema de Rohmer, como observou a revista "Cahiers du Cinéma". Rohmer é autor, junto com Claude Chabrol, de um dos principais livros já escritos sobre Hitchcock. Grace Elliott é a maior amiga do Duque de Orléans, o "Filipe Igualdade" da História. O duque representa justamente a maior contradição do período. É um aristocrata que se coloca ao lado dos revolucionários na luta contra a nobreza. Por ânsia de chegar ao poder ou por real convicção de que o rei era prejudicial ao povo francês, jamais iremos saber: “A Inglesa e o Duque” não é uma história da Revolução Francesa, mas o olhar pessoal de uma mulher que não pode compreender todos os acontecimentos a que assiste senão do ponto de vista de sua própria sobrevivência. Mas “A Inglesa e o Duque” não é um filme contra a Revolução, contra o terror jacobino, ou a favor da aristocracia e da monarquia. Do ponto de vista da realização, o filme é neutro a todos os eventos e personagens. Fiel ao carácter de diário da inglesa Grace Elliott, o livro nos identifica a seus dramas e nos faz torcer para que ela escape viva. Mais que isso, nos faz entender tudo que a leva a agir de uma forma absolutamente anti-revolucionária. “A Inglesa e o Duque” é um desses grandes filmes que, de tão associados que estão a seus protagonistas, nos mergulham num mundo em que a História jogou o anátema. Grace salva da forca um inimigo da república, despreza profundamente a população, dá todos os nomes feios possíveis aos revolucionários (que não são encarados do ponto de vista político, mas apenas na dimensão de agitadores, de bárbaros). A identificação a Grace, dada pela opção por seguir os passos de seu diário, e o distanciamento causado pelo cenário recriado, nos criam um teatro das ideias, mas um teatro que não é didáctico ou ilustrativo, que não está interessado em pregar mas em colocar problemas. Compartilhando do horror da autora diante dos excessos daqueles dias e de seu cepticismo diante da política, o realizador francês Eric Rohmer não teme trair uma certa veia aristocrática, ousando desafiar uma certa unanimidade politicamente correcta, especialmente em seu país, a favor da revolução fundadora dos ideais da própria República Francesa, Liberdade, Igualdade e Fraternidade, simbolizadas pelo branco, azul e vermelho de sua própria bandeira. Ainda que parte do público possa discordar disto, não há como negar que à história sobram inteligência, sensibilidade e rigor técnico. Afastando-se do intimismo de sua série recente de Contos em torno das quatro estações, Rohmer é capaz de iluminar a discussão de uma época e fornecer elementos para olhá-la com distanciamento e sabedoria. Uma tarefa ousada mas digna de alguém como o sofisticado realizador, formado em Literatura Francesa e ex-crítico cinematográfico de alguns dos maiores órgãos da imprensa francesa, colega de François Truffaut e Jean-Luc Godard na já citada Cahiers du Cinéma, berço da Nouvelle Vague. Se Rohmer, como Grace Elliott, pode ser visto por alguns como saudosista e, quem sabe, como reaccionário pelos mais radicais, não se poderá jamais acusá-lo de superficial – nem à autora que inspirou seu roteiro, a bem da verdade. O filme é denso de observações aguçadas sobre as oscilações da política e seu pragmatismo, às vezes criminoso em nome de ideais que nem sempre se concretizam completamente e podem eventualmente não valer seu preço em sangue. Sobre isto, as opiniões sempre se dividirão.
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