Presunção...
Pedro Brás Marques
Sexo, intriga e mentira. Uma tenebrosa trindade capaz de elevar ao céu quem arrisque cozinhar a vida com estes três ingredientes. A História, verdadeira ou mais ou menos ficcionada, está cheia de exemplos que confirmam a virtualidade daquele triunvirato, como acontece aqui, n' “A Favorita”. <br /> <br />A trama passa-se no século XVIII, durante o reinado da rainha Anna, sendo os dois restantes pontos do triângulo ocupados por Lady Sarah e pela recém-chegada Abigail. A primeira é a “favorita” em exercício, exercendo a sua preponderância na débil e influenciável rainha. Com a chegada de Abigail, o equilíbrio de forças altera-se, subindo esta a escada de acesso aos favores da monarca. É claro que se trata dum caminho “sujo”, onde vale tudo para se chegar ao topo. A falta de escrúpulos de ambas é percepcionada e até anunciada, algo que passa incógnito à rainha, ocupada com as suas dores e maleitas. <br /><br />O trio é interpretado por grandes actrizes, em especial Olívia Colman que embora seja a menos conhecida, tem uma carreira brilhante nos palcos, na tela e na televisão, tendo sido nomeada para tudo o que é prémio de interpretação na Velha Albion. É ela a grande alma do filme, interpretando uma personagem perturbada, infantilmente caprichosa, hesitante nas decisões e inconstante nos humores. A lutar pelos seus favores, estão as duas damas a que Rachel Weisz e Emma Stone dão vida. São actrizes que dispensam encómios, sempre seguras, apesar da difícil interpretação de personagens que estão continuamente a lidar tanto com o sucesso como com a frustração. Lady Sarah mostra mais berço, mais sentido de Estado, sagacidade política e exibe o peso da sua influência na reverência que quase impõe a todos que a rodeiam. Já Abigail vive muito do espírito vivo e divertido que Emma Stone lhe incute, dando uma nova luz à corte e à própria rainha, escondendo habilmente as fatais astúcia e hipocrisia. <br /> <br />Colman e Weisz já eram conhecidas do realizador Yorgos Lanthimos, nomeadamente do seu filme “A Lagosta”, de 2015. Mas o realizador grego tomou algumas liberdades criativas que deixam um sabor agri-doce ao espectador. Por um lado, foi buscar inspiração a Stanley Kubrick e ao seu fabuloso “Barry Lindon”, igualmente um filme de época, gravado inteiramente com luz natural. Em “A Favorita”, o recurso a esta opção proporciona um resultado fantástico, lançando um véu de antiguidade e, por consequência, de verosimilhança com a verdade histórica que o espectador ficciona. Mas, ao mesmo tempo, insiste no uso de grandes angulares que, em espaços pequenos, têm a particularidade de deformarem a imagem, os rostos e todas as linhas rectas. Excepcionando um ou outro plano onde se percebe que a ideia é sublinhar a loucura ou a vertigem das personagens, nos demais não passa de pura ostentação técnica. É sabido que os filmes de cariz histórico tendem a um certo classicismo inerente ao tema, pelo que até seria salutar recorrer a alguma criatividade estética. <br /><br />Mas a verdade é que o resultado é algo supérfluo e, por vezes, até chega a ser perturbador e irritante, roubando a hipótese de “A Favorita” atingir um patamar de excelência. Criando uma “família” de actores que são presença habitual, somando-se a homenagem estética a um mestre, torna-se evidente que Lanthimos quer ser mais do quem mero realizador, almejando o estatuto de “auteur”. Esquece é que os que tal conseguiram o alcançaram porque tinham uma visão única e própria, não necessitando de “homenagear” ninguém…
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