Assalto a um banco?
João Figueiredo
Para quem vê o "trailer" ou lê a sinopse de "Inside Man", conhecido em Portugal como "Infiltrado", poderia pensar que se trata de “mais um” filme de assaltos a bancos com montes de estrelas de Hollywood e muita acção à mistura. No entanto, o facto de ser este o último filme do realizador Spike Lee leva a suspeitar da existência de algo não revelado pelos meios de divulgação do filme. Spike Lee é conhecido principalmente por fazer filmes com carisma político utilizando como pano de fundo os cenários da cidade de Nova Iorque. Mal começa o filme verificamos que o cenário mantém-se! Coloca-se então em questão a existência da abordagem política. Durante o filme é visível a perspectiva anti-racista de Lee, não fosse a referência a temáticas como o racismo e xenofobia, demonstradas em parte pela existência constante de inúmeras e variadas personagens secundárias que se evidenciam pelas diferenças raciais. Claro que para um fã de filmes de Spike Lee esta ocasional abordagem sabe a pouco.<BR/><BR/>À medida que o filme avança, o argumento revela-se inteligente e subtil e, aliado a uma boa realização, a prematura desilusão dá lugar a uma satisfação crescente apenas saciada nos momentos finais do filme. Para surpresa dos espectadores mais atentos, percebe-se que a base do filme é essencialmente e inteiramente politica. Spike Lee não faz um filme sobre um assalto a um banco. Procede sim a uma análise da sociedade norte-americana pós-11 de Setembro, com referências óbvias à de Nova Iorque.<BR/><BR/>As constantes referências à diferenciação entre o mal e o bem, a eterna dificuldade e frustração das autoridades não distinguirem de onde provém o “mal” - e pior, em conclusão, não o conseguirem identificar sequer -, revelam a instabilidade e insegurança da sociedade norte-americana do presente. Lee não esquece também de atacar o governo com uma muito indirecta alusão ao nazismo como doutrina existente nos mais altos postos de poder no seu país. Convém referir que parte deste poder reside em Wall Street e que é este mesmo poder que é atacado em todo o filme, não estivéssemos perante um assalto a um banco!<BR/><BR/>A data 11 de Setembro parece ter dado um novo fôlego a Spike Lee e ao seu trabalho, que desde o lançamento de "25th Hour" entrou numa fase mais reflectiva, criando filmes com uma nova estética e um novo ambiente, revisto em "O Infiltrado" e já confirmada em filmes como "She Hates Me". No que refere à escolha de actores, Denzel Washington é uma escolha segura, dado que é um dos actores com quem Spike Lee mais trabalha e, apesar de cumprir o seu papel, pouco acrescenta ao filme.<BR/><BR/>Pelo contrário, Clive Owen revela uma maturidade invulgar no seu desempenho, acrescentando-lhe um charme e um calma aliciante, mas ao mesmo tempo assustadora, características que o marcam já como parte de si como actor. Quase sem dar a cara ao filme, dado que passou uma boa parte dele de máscara posta, apenas com a presença e o poder da sua voz, revela que a sua personagem é das mais, senão a mais importante do filme.<BR/><BR/>Quanto a Jodie Foster, é ofuscada pelos actores principais mas realça-se em determinados momentos do filme, principalmente quando lhe dão protagonismo no filme. Com algum lamento, não acontece muitas vezes! Em suma, "O Infiltrado" é um filme que pelo seu entretenimento é destinado ao público em geral mas, assumindo-se como exercício de reflexão social, cultural e político, provavelmente não será assim tão acessível e compreensível pela maioria dos espectadores.
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