A Última Noite
Ricardo Pereira
Adaptado por David Benioff a partir de seu próprio livro, "A Última Hora" traz Edward Norton como o amargurado Monty Brogan, um sujeito que, depois de conseguir uma bolsa de estudos numa instituição conceituada, optou por utilizar sua nova posição para vender drogas a jovens da alta sociedade. Inicialmente bem sucedido, ele compra um caro apartamento, um carro luxuoso e se envolve com a bela Naturelle (Rosario Dawson). Um dia, no entanto, a polícia bate à sua porta com um mandado de busca e a informação precisa de onde o sujeito esconde a droga. Condenado a sete anos de prisão, Monty decide utilizar as suas últimas 24 horas de liberdade para despedir-se do pai, de dois dos seus melhores amigos e da namorada. No entanto, "A Última Hora" não se concentra somente em Monty: aos poucos, também conhecemos as angústias dos seus dois amigos: Francis (Barry Pepper), que insiste em manter uma fachada de frieza e brutalidade, embora se culpe pelo destino do companheiro; e Jacob (Philip Seymour Hoffman), um professor de segundo grau que se encontra apaixonado por uma de suas alunas (Anna Paquin). A subtrama envolvendo os personagens de Hoffman e Paquin, aliás, é a mais envolvente do filme – e é uma pena, portanto, que eles sejam apenas figuras secundárias na história. A melhor cena do filme se passa no banheiro do bar de seu pai, frequentado no filme por um grupo real de dez bombeiros que estiveram a serviço no World Trade Center no socorro às vítimas do atentado terrorista. Na frente do espelho, Monty extravasa sua fúria até então contida, disparando profanidades contra cada etnia ou grupo de Nova York. Para cada "fuck you" direccionado desde a Osama bin Laden, a motoristas de táxi paquistaneses, passando por "gays" do bairro Chelsea, a latinos do Harlem, negros do Brooklyn e a força policial da cidade, Lee interliga a arenga de Norton com imagens do grupo em questão. "A Última Hora" é o melhor trabalho de Spike Lee em anos e isto porque se trata do seu filme mais sereno até hoje. No processo de reduzir alguns de seus excessos, Lee acabou com um filme mais controlado, coerente e bem resolvido esteticamente, mas também fez um trabalho bem menos apelativo que a maioria de seus filmes anteriores. Nós simpatizamos com Monty em parte porque foi preso depois de ter sido delatado e muito porque o filme não é só sobre ele mas sim sobre como a prisão dele afecta as pessoas à sua volta (vale questionar aqui, a decisão de Lee de nunca mostrar Monty traficando drogas). Não há dúvidas de que Monty é culpado e para nós pode parecer natural que ele pague indo para a cadeia, mas para aqueles próximos a ele (amigos, namorada, pai) não é assim tão simples. Nisso "A Última Hora" lembra muito "Do the right thing". Como naquele filme, Lee nos lembra de como é impossível fazer realmente a coisa certa para todas as partes, e como a noção de certo é bem menos simples do que gostaríamos que fosse.
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