Fabuloso
Pedro Maia
Desde que Kathleen Gomes fez a crítica a "The Fast and the Furious", eu prometi a mim mesmo não tecer comentários à coerência dos críticos do "Público": eles tratavam dela por mim. Portanto... "no comments". Prefiro falar de algo mais real do que um amontoado de intriguices do tipo "o Quentin Tarantino fechou o júri na sala, apontou-lhes uma arma à cabeça e disse-lhes que ou votavam no "OldBoy" ou então não voltavam a levantar a mão para mais nada". Eu sei, eu sei, era precisamente deste tipo de coisas que eu não devia falar, mas pronto... escapou-se-me! "OldBoy" é um filme dolorosamente eficaz. Partindo da premissa "filme em que se vai descobrindo o enredo com o próprio desenrolar da história", vai avançando com o realismo cruel asiático a que estamos habituados de outras produções.<BR/><BR/>Mas essencialmente, é parte de uma trilogia do director Chan-wook Park, sendo o primeiro filme sobre uma série de assassinatos na zona desmilitariezada norte-sul coreana, o segundo sobre um rapto tendo em vista angariar dinheiro para um transplante de rins e o terceiro este filme. Em todos estes filmes está presente de forma seminal o problema da estratificação de classes dentro da própria Coreia do Sul.<BR/><BR/>No primeiro destes três filmes está o poder político, corrompendo e subornando, e a vingança de um ex-agente sul-coreano. No segundo trata-se de colocar a nu o drama do desemprego e das diversas minorias sul-coreanas. Neste terceiro somos levados a um universo em que um milionário se decide por uma vingança brutal e completamente desproporcionada sobre um pobre cidadão comum. Mesmo sopesando os crimes deste homem, Dae-su , somos levados para o domínio quase do burlesco pela desproporção do castigo, pelos meios usados e pela sua dimensão.<BR/><BR/>É este lado que tem escapado muitas vezes das críticas a este filme. Fala-se deste filme como um exercício "gore", os críticos saltitam com meia dúzia de crueldades, com um peito à mostra, com cenas de sexo dos anos 60, quando o motor da história é simplesmente um castigo arbitrário e descomunal livre de qualquer sanção ou controlo social, o sub-mundo das "penthouses" (ironia, não é erro), do poder que corrompe quanto mais se concentra. E no fim, a suprema ilusão que se desfaz, com um vilão triunfante morto pela sua própria mão, desfeito no sorriso de uma memória que deixou de ser válida pela extinção da vingança cometida em nome dela.<BR/><BR/>E eu pergunto, onde é que temos uma história destas no cinema europeu? Não temos! Mas isso não impediu que "OldBoy" fosse "engavetado" no Porto dentro de uma sala com péssimas condições (Passos Manuel)... Enfim..., muito pouco para o vencedor do Festival de Cannes do ano passado. Mas pronto, enquanto este preconceito "visual" continuar, mesmo com a enxurrada de adaptações de filmes asiáticos, estes filmes serão sempre vistos como objectos e não como manifestações próprias de uma realidade própria, uma realidade compreendida por 1.500 milhões de pessoas, mas que aqui parecem filmes feitos por mongolóides criativos delirantes.<BR/><BR/>Filme fabuloso se o conseguirem integrar na realidade mais vasta de uma outra cultura. Não se preocupem com o "gore", é inteligente e nada gratuito, estando carregado de imenso sentido de humor (mas certamente quando for adaptdado à matriz judaico-cristã-americana vão-lhe tratar do sentido de humor) ; ))) Abraço a todos, vejam cinema, julguem o que veêm e não vejam o que dizem que devem ver. E já agora, para uma compreensão mais profunda do realizador de "OldBoy", nada como esta entrevista, em http://www.acidlogic.com/chan_wook_park.htm, mas especialmente esta, em http://www.fazed.com/movies/chan-wook.html.
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