A tirania da mentira
Patrícia Mingacho
<p>"Um Separação", um filme iraniano que poderia ter ousado roubar o título do filme de Mike Leigh "Segredos e Mentiras", porque num Irão onde se exige a verdade, condensada num livro repleto de dogmas, existem Homens que, em troca dos verdadeiros princípios dos afectos, a renegam...<br /><br />E, se sentimos que o filme, para ganhar a densidade realista que transporta, teria que ser passado no Irão há, em muitas passagens, princípios universais e, por isso, toca-nos e faz-nos sentir enquanto personagens daquela tela feita de homens, feita de uma humanidade que, por vezes, carrega o peso da insensatez... <br /><br />E, se para uns a verdade é revelada nos princípios morais em que acreditam, para outros existe uma religião que agrilhoa o ser humano e o castra de decisões formatadas numa ética que exige reflexão...<br /><br />Asghar Farhadi é exímio na forma como escalpeliza a personalidade humana e os actores representam esse estar de uma forma magnífica...e, se há muito nos habituámos a ver tais ensaios no cinema europeu, é bom saber que há também cinema que, fora destas portas, nos consegue catapultar para situações que, embora num contexto político e religioso diferentes, poderiam ser as nossas...<br /><br />E o olhar daquela menina que muito tem que calar mas, enquanto não o faz, deambula em situações que só ela mesmo consegue inventar...E as lágrimas daquela adolescente que, na tortura das vivências dos adultos, tem que escolher o que o amor nunca a teria impelido a fazer...<br /><br />Há uma separação, há extorsões, há mentiras repetidamente contadas, há decisões que se tomam e se negam, há súplicas negadas, há, enfim, um pouco de cada um de nós e, sendo nós também assim, a visão maniqueísta entre o bem e o mal é dali expulsa como a verdade que muitas vezes queremos dar às nossas vivências, ao nosso pensar... mas há, também, a abnegação daqueles que conseguem amar a fragilidade, há o carácter daqueles que acreditam nos seus princípios...<br /><br />As cores que dão vida à paleta das emoções estão todas lá e, também por isso, este filme vale o tempo que por lá passamos porque se, por vezes, a mente anda dispersa, ali entra e fica presa, porque ver este filme é sentir os nossos fantasmas, é tolerar as nossas fragilidades, é perceber que, ao contrário do deus todo poderoso, são as situações, mais do que as convicções, que ditam o nosso agir...</p>
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