Vingança ou perdão?
Pedro Brás Marques
Quando somos confrontados com escolhas difíceis, em que as nossas mais profundas convicções são postas à prova, é nesse preciso momento que enfrentamos o espelho e olhamos para a nossa essência, para a nossa verdadeira natureza. <br />O realizador iraniano Asghar Farhadi tem o dom de, a partir de assuntos relativamente banais, obrigar as personagens e, por arrasto, os espectadores, a tomarem posição sobre o tema em questão. Em “O Vendedor”, a dualidade perdão/vingança alcança níveis de complexidade emocional raramente vistos. Tudo começa com Ranaa e Emad, um casal em que ele é professor, mas ambos têm uma paixão pelo teatro. Estão a ensaiar “A Morte dum Caixeiro Viajante”, de Arthur Miller, quando se vêm forçados a mudar de casa. Um dos actores cede-lhes um seu apartamento, sem lhes contar que a anterior inquilina era uma prostituta. Um dia, Ranaa está a tomar banho quando alguém entra e a agride. Emad veste a pele de detective e acaba por encontrar o culpado, expondo-o à frente de Ranaa. Vingança ou perdão? É que nem tudo é claro, as fronteiras entre o bem e o mal são movediças e é isso mesmo que Emad acaba por perceber… <br />Há quem veja nas obras de Farhadi uma certa repetição, porque há, efectivamente, uma certa reiteração na abordagem das histórias, em que a questão da culpabilidade está sempre presente, usualmente na vida dum casal confrontado com um problema aparentemente insolúvel ou que, a ter solução, o seu desfecho não é exactamente o pretendido. Já foi assim no anterior “O Passado” e no brilhante “Uma Separação”, que lhe deu o primeiro Óscar. Mas as histórias que Asghar Farhadi nos conta vão muito mais longe pois são muito mais ricas. Porque apesar da aliteração temática há todo um mundo de questões, de desafios, de provocações que mudam de filme para filme e que fazem qualquer espectador sair da sala a pensar no que viu, a colocar-se no lugar das personagens e a questionar qual seria a sua própria reacção. <br />Apesar de viver num regime altamente influenciado pela religião, é notável como Ahadi consegue duas coisas extraordinárias. Primeiro, abordar questões como a culpa e o perdão sem ser através da lente da religião. Os problemas das personagens, a forma como procuram soluções, são problemas de qualquer ser humano, em qualquer paralelo ou latitude. E é assim que o realizador iraniano consegue um segundo mérito: apesar de a história se centrar em Teerão e entre iranianos, a sua dimensão moral é universal. <br />Ora, quando uma obra é estimulante a um tal nível, só pode ser Arte.
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