Fascinante
Rui M II :)
Fico supreso com a classificação que a crítica deu a este filme. De certa forma fico a suspeitar que perderam a capacidade de se fascinar e que algo lhes faltou na juventude, mas isto já sou eu a reagir perante opinião tão distinta da minha... O filme, antes de tudo, é para crianças e jovens que se irão divertir imenso com esta(s) incrível(eis) aventura(s), mas qualquer adulto pode facilmente deixar-se fascinar pela inteligência que move este filme, tanto ao nível do imaginário como do simbólico. Um bom ponto de partida para conversarmos de forma inteligente sobre o filme seria partirmos, por exemplo, do "Super-homem das massas" de Humberto Eco...<BR/><BR/>Mas avancemos por partes. Por um lado, ao nível do conteúdo, compreendo que o universo de referências que estruturam o filme passem em grande parte ao lado de pessoas cujas referências ao nível do imaginário se fiquem pelo cinema (tirando, claro, as óbvias citações do 007, do "Star Wars" e de uma cena ou outra que identifiquem das adaptações dos "comics" ao cinema - e que se realizam de forma magistral).<BR/><BR/>O filme faz igualmente citações a todo um universo "pop", que não se fica pela Marvel (todo um ambiente marcante dos "comics" a partir dos anos 70, com a perseguição dos super-heróis a fazer recordar sagas memoráveis do Capitão América, a origem dos Mutantes X-man, a paranóia do chefe de Peter Parker, em paralelo com a proliferação dos anti-heróis ou dos heróis psicologicamente instáveis: Wolverine, Justiceiro, etc.), assim como ao estilismo (a Kawakubo é simplesmente deliciosa) ao design de ambientes (do minimamilismo ao retro) sempre enquanto artes ao serviço da construção destes outros mundos.<BR/><BR/>Mas creio que ao nível do conteúdo não podemos deixar de reflectir sobre o seu posicionamento "relativo" perante os Simpsons e o Shreck (que marcam o reinado dos "anti-heróis" na década de 90, humanos, (quase) abjectamente humanos), assim como perante a proliferação de robôs e de seres biónicos enquanto heróis que superam a condição humana.<BR/><BR/>Há que lembrar também que, até aos Incredibles, heróis com filhos (e não sobrinhos ou irmãos) era um tabu (não me recordo de absolutamente nenhum, do Donald ao Quarteto Fantástico. Já nos anos 80, creio, o casal fantástico teve um filho mas sem desenvolvimentos). Nunca às crianças foi proposta esta ideia de familia de heróis... Estranho... ou nem por isso.<BR/><BR/>Propor heróis não individualistas, destacar o valor da família enquanto equipa e defender que, "se nos limitamos a dizer que todos somos heróis então ninguém o é", é hoje uma atitude bastante corajosa mas, admitamo, bastante saudável. Especialmente quando realizada com tanta auto-ironia e, repito, inteligência e bom humor.<BR/><BR/>A Pixar começara a fazê-lo com Nemo, mas ainda dentro de paradigmas do século XX.<BR/><BR/>Haveria mais a dizer, mas avancemos para a questão formal - e aqui, meus senhores, estão "out": simplesmente, não percebem o que se passa à vossa frente. Desculpem a ousadia. Os Incredibles constituem mais um salto para o futuro - e que futuro nos revelam! A sua continua citação de grandes referências do passado surge sempre para demonstrar que se pode fazer o mesmo mas muito melhor, com uma liberdade incomparavelmente maior. Tudo é possível neste universo (não é o mesmo que sentimos a ver "Shreck 2"?) Todos os universos ali criados existem para sempre, alteram-se facilmente, filmam-se a partir do ângulo que mais convém, existem virtualmente, libertando definitivamente o imaginário de se ter de rebater sempre num simulacro, constitui-se como universo de direito próprio (admito que, aqui, "Shreck 2" leva alguma vantagem, mas o tema do filme procura exactamente ancorar o super-herói no real).<BR/><BR/>O desenho, o tratamento cromático, a cenografia são simplesmente fantásticas, seja no ambiente dos anos 50, seja na seguradora, seja na casa da estilista, seja na ilha - por onde começar? Meus senhores, não percam a inocência do olhar e vejam este filme como se fosse o futuro, uma reflexão e não um reflexo do passado.
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