The Card Counter - O Jogador
Título Original
The Card Counter
Realizado por
Elenco
Sinopse
Críticas Ípsilon
A boa forma de Paul Schrader: um dos melhores filmes do ano
Um homem, uma missão e a disciplina que se auto-impõe para a levar a cabo: um dos melhores filmes estreados este ano.
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The card counter
Fernando Oliveira
O último filme do realizador e argumentista americano Paul Schrader é mais uma encenação de um purgatório na Terra aonde habita mais um daqueles personagens sobre os quais ele tem escrito muitas vezes; um homem solitário, esmagado pelo peso tremendo da culpa que traz do passado, que se entrega a rituais muito dele, à procura de um qualquer tipo de salvação. Personagens presos nas suas obsessões.
William Tell (Oscar Isaac) é um jogador de cartas; aprendeu a jogar na prisão, cumpriu pena por crimes de guerra; na prisão aprendeu a viver e a gostar da rotina e o sossego que esta proporciona, aprendeu a depender dela. Lá também aprendeu a contar cartas, método proibido nos jogos de casino, mas que ele usa de forma discreta. E aprendeu a controlar os fantasmas e os traumas que transporta com ele, aprendeu a anular tudo o que lhe sendo exterior pode perturbar o sossego que escolheu para a vida.
Vive em motéis, obsessivamente cobre todos os moveis dos quartos com panos brancos, não quer passar do purgatório para o Inferno, esconde de todos a agonia que o mói. E depois como nos habituou Schrader, o homem arranja uma missão. O passado vem bater-lhe à porta. Que o filme nos vai desvendando, William foi um dos torturadores em Abu Ghraib, prisão iraquiana que o exército americano transformou numa infame câmara de tortura; e foi um dos que se deixou fotografar enquanto as fazia, por isso foi preso. Quando é abordado por um jovem, Cirk (Tye Sheridan), filho de um antigo colega de William, e que quer vingar o suicídio do pai, matando o “professor” dos dois no Iraque; William decide fazer tudo para reencaminhar o jovem, para procurar a mãe e voltar à escola. Para isso procura a ajuda de La Linda (Tiffany Haddish, e é curioso como, não poucas vezes, Schrader procura actores que normalmente representam papéis de comédia para dar uma ambiguidade no mínimo perturbante a personagens que influenciam intensamente todo o filme), outra jogadora que parece ser a única “amiga” dele, para esta lhe arranjar um financiador, quer entrar em jogos de apostas altas, quer ganhar dinheiro para ajudar Cirk.
Tudo isto perturba a vida de William, a obsessão ritualística que a definia – e não são os jogos de cartas também isto? – que o leva a dar passos em frente que ele não quereria dar. Envolve-se com La Linda (e é lindíssimo a rima que o filme faz entre o dar de mãos no passeio que os dois dão no Jardim das Luzes e a cena final que prolonga o desejo desse toque; plano final que ao mesmo tempo contrapõe a acalmia desejada por William e o tumulto, o artificio – as longas unhas de gel – da vida cá fora, mesmo que com La Linda); e o comportamento de Cirk “desfaz” aquilo que lhe definia a vida, a causa e efeito que definem os jogos de póquer, consequências que temos de antecipar, William tem de ir ao Inferno para poder regressar ao purgatório.
Paul Schrader persegue de forma nervosa Tell, acalma em magníficos planos gerais, fica à espera, depois delira nos cenas na prisão de Abu Ghraib. Confronta a luz cegante dos casinos com a fealdade política da América; o desejo de amor entre o homem e uma mulher com a amoralidade que vai tomando conta de tudo. E esmaga-nos com aquela cena do fim.
É um filme muito belo mesmo na tristeza que o encharca.
(em "oceuoinfernoeodesejo.blogspot.pt")
Escrever direito por linhas tortas...
Pedro Brás Marques
Há criadores que encontram a essência da sua obra muito cedo e passam toda a vida sem conseguir fugir desse seu ‘axis mundi’. Em 1976, Paul Schrader assinou um argumento genial, a que Martin Scorcese deu imagem e Robert de Niro o corpo: “Taxi Driver”. A história dum “vigilante”, de alguém que, por si, quer repor a justiça no Mundo, porque a Lei, o “sistema” e os criminosos são incapazes de o fazer, e conceitos como “justiça”, “lei” e “vingança” perdem definição e fronteira. Mas estamos em 2021 e os papeis alteraram-se: Schrader está atrás da câmara e Scorcese ficou na produção. Não temos o actor de Raging Bull, mas temos uma estrela em confirmação, Oscar Isaac.
Depois duma temporada numa prisão militar, onde aprendeu a memorizar e a contar cartas, William Tell tornou-se um jogador profissional. Para não ser detectado, está sempre em movimento e nunca arrisca grandes jogadas. Um dia, num dos hotéis-casino, depara-se com uma convenção sobre segurança, onde um dos palestrantes é John Gordo, que havia sido seu chefe em Abu Ghraib, e onde tinham praticado infindáveis torturas nos prisioneiros iraquianos. É também aí que é abordado por um jovem, que vem a saber ser filho dum outro soldado também presente naquela camara de torturas onde… William Tell também esteve. Ele e o pai do miúdo foram ambos expostos, denunciados e condenados (daí a prisão militar…) enquanto os verdadeiros culpados nada sofreram e circulam por aí impunemente. Daí a sua angústia existencial, carregada de culpa, quando os responsáveis respiram liberdade. “I’m going to make things right”, anuncia ele, até porque, tal como o Reverendo Powell, em “A Noite do Caçador”, de Charles Laughton, tinha “love” and “hate” tatuado nos punhos, também Tell tem impresso nas costas “I trust my life to providence, I trust my soul to grace”…
Desde, pelo menos, Cimino e “O Caçador” que sabemos o quanto o jogo pode ser uma metáfora da guerra e da existência. Umas vezes a bala está no tambor, outras vezes não está. Sorte. Para tentar fugir a este círculo vicioso, William Tell aprendeu a controlar o risco, contando as cartas, assim reduzindo a margem de erro das apostas. Já era assim em Abu Ghraib, onde a violência a coberto e entre paredes, e em que o inimigo estava, literalmente, de mãos atadas. O Inferno. Não será por acaso que as salas de jogo têm todas um tom avermelhado e solicitações pecaminosas e ele transforma, diária e ritualisticamente, o seu quarto numa zona branca e “pura”, sem tentações. No fundo, Tell arranjou uma fórmula de entrar e sair do Inferno sem se chamuscar. Mas, lá está, o seu sentido de justiça, adormecido, é despertado quando o abuso se torna insuportável, mesmo que isso signifique a perda de tudo o que de mais importante e pessoal ele tenha… Tudo isto funciona muito bem porque Oscar Isaac, que ainda há um mês elogiávamos pela série “Scenes of a Marriage”, compõe na perfeição um William Tell de rosto fechado, de gestos lentos, onde a racionalidade se impõe à emoção.
A complexidade psicológica dos argumentos e dos filmes de Paul Schrader, especialmente os que remontam aos anos 70 e 80 do século passado, normalmente conduzem a experiências memoráveis e este “O Contador de Cartas” não é excepção. Drogas e religião cruzaram-se na sua vida, o que constituiu um fantástico “melting pot” criativo, a que a sua paixão pelo cinema clássico (sempre Bresson e a questão da “culpa”!) veio dar o toque final. Os níveis de leitura que este filme proporciona, a profundidade da personagem principal, toda a simbólica que os seus actos e intenções revelam, conduzem a uma conclusão óbvia: estamos perante um grande filme.
4 estrelas
José Miguel Costa
Lixo
Alex
SPT/Expiação redenção
Raul Gomes
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