O Mestre Jardineiro
Título Original
Realizado por
Elenco
Sinopse
Narvel Roth é o chefe dos jardineiros de Gracewood Gardens, a enorme propriedade de Norma Haverhill, uma viúva rica e exigente. De carácter calmo e controlado, ele é meticuloso no trabalho, que funciona como escape emocional.
A vida ali corre tranquila até Norma decidir acolher em casa a sua problemática sobrinha-neta Maya, que abandonou os estudos depois de perder os pais e que precisa de dar um novo rumo à sua vida.
Narvel fica encarregue de apoiar Maya e de lhe ensinar a arte da hortofloricultura, algo que inicialmente o incomoda. Com o passar do tempo, porém, a relação entre eles estreita-se, o que vai desestabilizar a dinâmica daquela casa e fazer vir ao de cima segredos inesperados.
Apresentado, fora de competição, no Festival de Cinema de Veneza, um "thriller" escrito e realizado por Paul Schrader (American Gigolo, Vingança ao Anoitecer, No Coração da Escuridão, The Card Counter: O Jogador), com actuações de Joel Edgerton, Sigourney Weaver e Quintessa Swindell. PÚBLICO
Críticas Ípsilon
A inteligência de Paul Schrader em O Mestre Jardineiro
Paul Schrader dá-nos uma dramaturgia enxuta, sem efeitos de retórica.
Ler maisCríticas dos leitores
4 estrelas
José Miguel Costa
"O Mestre Jardineiro", o mais recente filme do realizador Paul Schrader (que alcançou as luzes da ribalta enquanto argumentista do mestre Martin Scorsese, em "Taxi Driver" e "Touro Enraivecido"), é um thriller dramático cujo enredo incide sobre um metódico e impenetrável jardineiro-chefe de uma histórica propriedade privada do Sul dos USA (pertença de uma estranha e abastada idosa autoritária), que esconde uma raiva surda sob uma aparente capa de serenidade, em consequência de um misterioso passado obscuro (gradualmente revelado através de curtos flashbacks) que o mantém cativo.
Certo dia a rebelde/problemática sobrinha-neta da proprietária é colocada à sua guarda, com o objectivo de ensinar-lhe a arte da floricultura, e a partir de então o seu auto-regrado quotidiano fica comprometido, ameaçando toda a anómala dinâmica relacional daquele microcosmo social. Tal como nos magníficos "First Reformed - No Coração da Escuridão" (2017) e "The Card Counter - O Jogador" (2021), o solitário protagonista masculino, à beira do abismo, encontra-se numa eterna e angustiante luta interior em busca de redenção.
Todavia, esta sua obra encontra-se uns furos abaixo das duas anteriores, pois, apesar de inicialmente ir "descascando" de modo sublime (e sem pressas) o enigmático personagem (impecavelmente encarnado por Joel Edgerton), na recta final, incompreensivelmente, opta por colocar o "pé no acelerador" e dar um (sub)desenvolvimento abrupto (e, inclusive, incongruente, com algumas pontas soltas) à história.
O Mestre Jardineiro
Fernando Oliveira
O novo filme de Paul Schrader, “O Mestre Jardineiro”, rima com o anterior “The Card Counter”. Rima, talvez, até demasiado. Há novamente um homem com um passado violento, criminoso, que encontra uma forma de apaziguar os fantasmas, o caos emocional, que o habitam numa profissão que executa de forma metódica; também assume uma missão que vai perturbar esse sossego emocional; há até um jardim que irrompe delirantemente durante uma viagem de automóvel que rima com o artificialismo do jardim do filme anterior.
Só não exige uma redenção pelo sacrifício, neste dá ao seu personagem a possibilidade de um final feliz; mas dá aos dois o que eles desejam: ao jogador de cartas, a paz, a este, a possibilidade de uma família. Narvel Roth foi, como ele diz no filme, ensinado a odiar outras pessoas, a violentá-los, pessoas diferentes dele. Um racista (e sê-lo é tão horrendo quanto estúpido: a espécie humana não se divide por raças).
Testemunhou contra os seus cúmplices, e foi obrigado a adoptar outra identidade. Agora Narvel é responsável por um enorme jardim duma propriedade no Louisiana. Pratica-a como uma religião, “vive” o jardim. Um dia a patroa e ocasional amante, Norma Haverhill (quase sinistra nas suas “certezas”), pede-lhe para integrar a sua sobrinha-neta Maya na equipa que trabalha com ele. A avó e a mãe, ambas problemáticas, morreram, e ela está sozinha. Não vê a jovem há muito tempo, e ela é mulata. As coisas até correm bem no início, mas a jovem tem um problema com drogas. A inquietude toma conta das personagens, desequilíbrios abalam-nos, a violência retorna à vida de Narvel. Ele e Maya são despedidos; vão conduzindo entre motéis e hotéis até Maya descobrir nas tatuagens que cobrem a parte superior do corpo de Narvel a verdade do seu passado. Afasta-o, e depois procura-o. Narvel vai voltar ao seu jardim, a promessa de um final feliz está numa dança no alpendre (em “The card counter” eram dois dedos que se “tocavam” “através” de um vidro que separava os dois personagens). Com Joel Edgerton (notável a mostrar a quietude perigosa, a serenidade, que define o seu personagem), Sigourney Weaver e Quintessa Swindell, “O mestre jardineiro” é outro filme de Schrader sobre alguém que espera. A jardinagem é o seu refúgio, e ele espera que a aconteça qualquer coisa que o redima do seu passado e lhe dê um futuro. Mas será isto possível? Pode a violência abandonar Narvel? Visivelmente não. Pode Maya apaixonar-se por Narvel, um homem muito mais velho que ela e com um “defeito”, e dar-lhe essa possibilidade de felicidade? Talvez sim.
No Cinema, com certeza que sim. Será esse o sentido daquele jardim, aquele que Narvel e Maya sonham na estrada, que só pode vir do Cinema. Como em “The card counter” a violência que reencontra o personagem destrói o seu “refúgio” mas numa reviravolta surpreendente ao que Schrader nos habituou nos seus argumentos, Narvel encontra outro. “O meste jardineiro” é assim um filme sobre uma fuga de uma personagem dele próprio puxado para uma antítese (definida na cor de Maya), com uma narrativa seca e até simples, mas inteligente.
E cheio de Cinema, ecoa aqui muita coisa lá detrás e isso também é muito bonito. Schrader teve uma carreira bastante irregular, com muitos filmes medíocres, mas se terminar com este (li que a sua saúde é débil) e se juntarmos os dois anteriores, “No coração da escuridão” e “The card counter”, termina-a de forma magnífica. (em "oceuoinfernoeodesejo.bloigspot.com")
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