Vamos dançar
Alex Aranda
Os pinguins estão mesmo na moda. Depois da visão "wiseguy" com os vistos (como secundários, mas "metiam o filme no bolso") em "Madagáscar" (depois ganhariam protagonismo merecido numa curta-metragem), da visão científica e ternurenta de "La Marche de l'Empereur", surge agora uma visão "musical" desta tão castiça espécie. Se atendermos ao facto que em breve chegará "The Farce of the Penguins" (uma espécie de "spoof" de "La Marche de l'Empereur"), parece que estas aves têm muito para mostrar no cinema (ou este com muito a explorar nelas). "Happy Feet" é já um dos fenómenos do ano. 3 semanas número um no "box-office" dos EUA (logo seguido do novo "007", que se manteve "colado" em número dois ao longo do mesmo tempo – ambos caíram duas posições este fim-de-semana), este musical animado protagonizado por pinguins tem também recebido rasgados elogios da crítica.<BR/><BR/>"Happy Feet" traz um novo alento ao género, do ponto de vista financeiro, pois se 2006 foi um ano muito "animado" (cerca de uma dezena de filmes de animação), os resultados (qualitativos e quantitativos) já foram algo desequilibrados (grandes sucessos com "Cars", "Over the Hedge" e "Ice Age 2"; suficientes mas aquém das expectativas em "Monster House" e "Open Season"; medianos em "Hoodwinked" e "Curious George"; "flops" em "The Ant Bully" e "Flushed Away"). Por outro lado, "Happy Feet" permite à Warner terminar o ano com um filme que faz sorrir os seus contabilistas (2006 correu muito mal ao estúdio, devido aos falhanços de "Poseidon", "The Ant Bully", "Lady in the Water" e os resultados muito abaixo dos esperados em "Superman Returns" que se contava como um dos maiores blockbusters do ano).<BR/><BR/>Para além de todo este "hype", há uma razão para se ter boas expectativas perante este "Happy Feet". A realização pertence a George Miller. O espectador mais desatento poderá interrogar-se o que faz aqui o "pai" da saga "Mad Max". Os cinéfilos terão razões para sorrir. Miller foi produtor do belíssimo "Babe" (chegou a estar nomeado para Melhor Filme em 1996 e venceu diversos prémios a nível mundial) e realizou a fabulosa sequela ("Babe – Pig in the City"), título superior dentro do género, "flop" tremendo na época, mas que tem ganho uma crescente (e merecida) (re)descoberta.<BR/><BR/>Numa muito cantante comunidade de pinguins, algures na Antártida, nasce Mumble. Apesar de toda a comunidade ser dotada para o canto, Mumble cedo se revela diferente – para além do aspecto físico, mostra grandes dotes para a dança. Claro que tal "handicap" se revela como um desafio à autoridade e harmonia estabelecida. Apesar de marginalizado e expulso da comunidade, Mumble vai descobrir e provar que ser diferente é uma mais-valia. Com a ajuda de uma comunidade "latina" de pinguins, Mumble vai descobrir o porquê da escassez de alimento na zona e uma raça de "alienígenas", que pelos vistos são os responsáveis por tal escassez.<BR/><BR/>Tal como o seu compatriota Peter Weir, Miller não filma muito, mas quando o faz, faz "estragos". Apoiado num excelente "elenco" (Elijah Wood, Hugh Jackman, Nicole Kidman, Hugo Weaving, Brittany Murphy e Robin Williams – este em duas personagens), num argumento simples mas bem estruturado, Miller mostra o seu talento para o género e consegue, mais do que um simples entretenimento (entendamo-nos, o cinema de animação não é para aborrecer), um apelo às consciências de cada um. Como é hábito em muita animação, o filme também traz a(s) sua(s) mensagem(ns). Desde o ponto de vista familiar (a força da família), moral (o valor da união, da amizade e da auto-confiança), política (a diferença pode marcar a... diferença, e mudar o estado das coisas), bem como ecológica (o filme foca os erros dos Homem na exploração excessiva dos recursos da natureza). Mas tudo é mostrado de forma muito simples e sem laivos ideológicos nem lamechices.<BR/><BR/>"Happy Feet" tem ainda um atractivo especial para os amantes de música. Se há filmes cinéfilos (até na animação se verifica isso – vejam-se os títulos da Aardman e da Pixar), "Happy Feet" pode ser visto como um filme... "cançófilo" (perdoem-me os peritos da linguística, pois não sei se a expressão existe, mas aqui calha bem). Vários êxitos da pop dos últimos 20 anos são ouvidos pelo filme. O gozo está em descobrir as variantes feitas, quer na melodia quer nas letras. Mas desengane-se quem pensa que as canções estão lá para "efeitos videoclip". Para além do humor criado, são motriz narrativa do momento em que são ouvidas. Mas não deixa de ter a sua cinefilia – é a memória do cinema musical que também por aqui passa; os pinguins dançam tão bem na água como Esther Williams; o sapateado e a dança convidam Fred Astaire & Ginger Rogers, Gene Kelly & Cyd Charisse; todas as sequências musicais evocam esse género perdido.<BR/><BR/>Mas Miller dá também uma lição de logística cinematográfica. Para além de mostrar a excelência da animação digital que se faz na "terra dos cangurus", Miller dá uma lição de contabilidade – o seu filme custou menos de 90 milhões de dólares (algo bem relevante se virmos que até na animação os custos já ultrapassam os 100).<BR/><BR/>Rendamo-nos aos pinguins cantantes e dançantes. Para além de nos divertirem, também nos comovem e fazem-nos pensar. E não se admirem se saírem da sala a cantarolar alguma canção (ouvida no filme ou presente na memória do espectador). Pode-se pedir mais a um filme inserido num género que (segundo algumas mentes menos "dançantes") só pretende... "animar os putos"?<BR/><BR/>Um dos melhores (algo já habitual, desde há uns anos, dentro da animação – género onde se verificam algumas das melhores ideias cinematográficas da actualidade) e mais indispensáveis títulos do ano (que com "Cars" e "Flushed Away" será um forte candidato à "estatueta dourada" para Melhor Longa-Metragem de Animação nos próximos Óscares).
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