Drive My Car
Título Original
Doraibu mai kâ
Realizado por
Elenco
Sinopse
Críticas Ípsilon
Aquilo de que mais gostamos em Ryusuke Hamaguchi
Foi um dos grandes filmes dos festivais de 2021, é agora um candidato-surpresa aos Óscares. Confirma que o japonês Ryusuke Hamaguchi precisa de tempo para atingir o seu melhor nível.
Ler maisCríticas dos leitores
Silêncio
Maria
Como é possível este sol ser tanta luz
Nuno Anael
Múltipla comunicação
Nazaré
O filme começa com uma mulher, sentada na cama, a improvisar uma história, que vai recitando ao marido ali deitado. Ela é uma escritora de guiões (antiga actriz) e ele é um actor e encenador. São um casal bastante feliz, apesar da ferida incurável de terem perdido uma filha. Ele ainda irá perder a mulher, isso deixa-o sem chão, e o filme acompanha-nos depois num percurso tortuoso do reencontro consigo mesmo. Em ritmo algo lento, com muito texto das várias vezes repetidas (e cambiantes) cenas da peça de Tchekhov 'O tio Vânia', ajuda-nos a acompanhar um dia-a-dia aparentemente rotineiro (de montagem dessa peça num teatro doutra cidade) mas carregado de dilemas interiores. Baseado num conto de Murakami, é uma fita cheia de interesse, mas é preciso estar preparado para estas 3 horas de repetições (de texto, de trajectos, de gestos, de conversa civilizada) que não são bem repetições, pois vão caminhando, ao ritmo do quotidiano. Pois é esse o ritmo com que vamos arrumando os dilemas.
Uma personagem a ter em conta é o Saab vermelho desse casal. Mantém o volante à esquerda, num país onde se conduz à esquerda. É um símbolo, como já li algures, do embaraço do seu dono. Tem a memória dos vaivens do casal, tem o som das cassetes que ainda trazem a voz da mulher, é um objecto insubstituível para o viúvo, mas vai passar a ser conduzido por uma estranha. Só que essa estranha é da geração da filha perdida. A teia adensa-se, pois.
As palavras são o ponto de partida do teatro, que encontram nos actores uma vida para chegarem ao público. A montagem da peça começa pela leitura, pura e simples, das que hão-de ouvir-se nos diálogos. E as de 'O tio Vânia' passaram do Russo para o Japonês, mas também para a linguagem gestual do Coreano e, muitos não se darão conta disso, para o Chinês (os chineses não precisam de saber a língua para entenderem uma das grafias ideográficas do Japonês na sua língua nativa). E, já agora, a condutora contratada para guiar o Saab é de Hokkaido, onde a língua nativa é o Ainu. Ao contrário do 'Lost in Translation' feito por americanos no mesmo Japão, neste filme japonês toda a gente se entende. Misteriosamente.
Excelente exrercício
V. Guerra
Um mergulho profundo no coração de cada um
Víctor
Do país do sol nascente, Tchekov visto pelos olhos rasgados das novas cinematografias orientais, com recados de inclusismo fora dos clichés e afinal um mergulho profundo no coração de cada um. Um filme a roçar a obra-prima.
5 estrelas
José Miguel Costa
Não é qualquer cineasta (ou não estivesse a referir-me a Ryûzuke Hamaguchi) que num período inferior a um ano nos presenteia com dois filmes de excepção, "Roda da Sorte e Fantasia" e o agora estreado "Drive My Car" (este último, uma obra-prima, vencedor do prémio para melhor argumento no Festival de Cannes e representante nipônico na próxima cerimónia dos óscares - apesar do género de "cinema slow" em que se insere não se afigurar propriamente o mais apropriado para as grandes audiências deste tipo de evento).
Adaptando um conto do consagrado autor, seu conterrâneo, Haruki Murakami, embrenha-nos na história através de um longo prólogo (40 minutos), que dá conta de um acontecimento dramático que irá mudar a rotina automatizada de Yûzuke Kafufu, um conceituado autor e cenógrafo de teatro cujo universo relacional se cinge quase exclusivamente à sua mulher (uma atipica argumentista com a qual partilha um desgosto que os une numa vivência algo melancólica).
Findo este bloco (e apenas neste momento surgem no ecrã os créditos do filme), voltamos a encontrá-lo dois anos mais tarde, ao volante do seu fiel e inseparável amigo de quatro rodas (no qual tem por hábito ouvir longos diálogos, verbalizados pela voz da sua amada, gravados em cassete, como forma de memorizar os textos das peças), a caminho de uma residência artista em Hiroshima, onde irá partilhar com uma audiências de actores de diversas nacionalidades o seu pouco convencional modus operandi enquanto encenador.
Aí chegado, por motivos de segurança, é confrontado com a proibição de conduzir, pelo passará a ser transportado por uma jovem motorista enigmática e de "poucas falas" (tal como ele próprio), com a qual irá estabelecer gradualmente uma relação de confiança e partilha de emoções.
Hamaguchi é um autêntico arquiteto de palavras, que desenha um melodrama contido dotado de um arco narrativo fluido (independentemente de tudo nesta obra ter um meticuloso tempo próprio) e subtil (recorrendo frequentemente a uma espécie de inteligentes jogos de espelhos entre o conteúdo das peças e a vida real), que nos expõe perante um modo diferenciado de lidar com sentimentos como a perda, ciúme, vingança e culpa.
Os seus "dialogos não verbais" e os subentendidos, que vão descascando as várias camadas dos seus personagens, são, igualmente, sublimes (pura poesia!).
E não menos liricas se revelam as (aparentemente banais) filmagens que se cingem à condução do icónico carro encarnado pelas enomes estradas e túneis do Japão (um deleite visual).
Envie-nos a sua crítica
Submissão feita com sucesso!