Grandioso!
Pedro Brás Marques
Os filmes de Wes Anderson proporcionam uma experiência cinematográfica única, um verdadeiro deleite visual e um prazer cinematográfico que, actualmente, quase não tem comparação. “Crónicas de França” não é, felizmente, excepção. De facto, não há muitos realizadores a conseguirem impor a sua visão por toda a sua obra produzida, de tal forma que a paternidade de qualquer fotograma ou excerto seja rapidamente identificada. <br /> <br />Desta vez, o cenário tem como fonte uma revista americana, que evoca a “New Yorker”. Produzida em França, na ficcional cidade de Ennui-sur-Blasé, por um americano nascido no Kansas, o que explica o subtítulo, vai sair pela última vez porque o editor, Arthur Howitzer Jr., acaba de morrer. Para a derradeira homenagem, contam-se quatro histórias: “O Repórter Ciclista”, em que um ciclista-narrador mostra as partes mais negras da cidade; “A Obra-Prima Concreta”, um exercício sobre o mundo da arte, com um pintor homicida e louco e a sua doentia relação com mulher-guarda que também é sua amante, sem esquecer os “marchands” que querem enriquecer à custa dele; “Revisões a um Manifesto”, sobre uma história de amor nascida no meio das barricadas duma revolta estudantil; e “A Sala de Jantar Privada do Comissário de Polícia”, uma história quase absurda sobre jantares e droga, com um toque de BD europeia... <br /> <br />Se os argumentos são indiscutivelmente originais, a forma como Wes Anderson os conta é extraordinária. Cada filme seu proporciona um deslumbramento cénico, que convida a mais do que uma visualização, tal é a riqueza e complexidade da maior parte dos planos. Já era assim em “The Darjeeling Limited”, em “Moonrise Kingdom” e “Grand Budapest Hotel”, só para citar os mais marcantes, mas aqui, nas “Crónicas de França”, o realizador texano aproxima-se da perfeição. Atente-se, por exemplo, na interminável lista de actores, que envergonha qualquer cerimónia de Óscares ou de Globos de Ouro: Benício Del Toro, Adrien Brody, Tilda Swinton, Léa Seydoux, Frances McDormand, Timothée Chalamet, Mathieu Amalric, Bill Murray, Owen Wilson, Liev Schreiber, Edward Norton, Saoirse Ronan, Willem Dafoe, Anjelica Huston, entre outros. Muitos já são repetentes porque, tal como Ford e Hawks ou, mais recentemente, Scorcese e Tarantino, também Wes Anderson recorre a um portefólio de actores, aquilo que João Bénard da Costa designava de “família de actores”, relativamente aos dois citados realizadores clássicos. Mas há muito mais a (re)descobrir: lá está o idealismo, extrapolado para a relação entre o mundo infantil e o dos adultos; o uso cuidado da perspectiva e os enquadramentos tendencialmente simétricos; a colocação dos actores em planos próximos e deformados, ou então de perfil; o recurso ao “paralítico”, com o plano fixo e tudo a movimentar-se dentro dele, como na maravilhosa cena em que o empregado do bar sobe os andares para levar a comida à redação da revista; e, claro, os cenários deliberadamente teatrais mas sempre grandiosos, transportando-nos para a essência do cinema, qual portal para uma outra realidade, fazendo-nos viajar por mundos imaginários. Aliás, nem sequer falha na banda sonora, sempre à volta da pop blasé dos anos 60/70, desta vez entregue ao líder do Pulp, o britânico Jarvis Cocker. <br /> <br />Repetindo-me: cada um filme de Wes Anderson, além do deslumbramento proporcionado pela obra em si, é uma homenagem à criatividade dum visionário e, claro, à Sétima Arte. Grandioso!
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