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A Mulher Sem Cabeça

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Thriller, Drama 87 min 2008 M/12 02/04/2009 ESP, ITA, ARG

Título Original

Sinopse

Veronica vai ao volante do seu carro quando num momento de distracção sente que atropela qualquer coisa. Nos dias seguintes, sente-se a desaparecer, sente-se estranha às coisas e às pessoas que a rodeiam, aluada. Confessa ao marido que se calhar atropelou alguém, regressa ao local do acidente, mas só descobre o cadáver de um cão. Porém, quando a vida parece regressar à normalidade, um cadáver é descoberto. PÚBLICO

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Críticas dos leitores

A mulher sem cabeça

Fernando Oliveira

Este filme é um desafio. Filma o invisível. Os mistérios inexplicáveis que habitam a mente humana, a solidão íntima que vem desse “silêncio”. Salto (a cidade natal de Martel), Verónica, uma mulher de meio idade, dentista, bem na vida, atropela alguma coisa, recusa-se a ir ver o que é.

Nos dias seguintes esta mulher “perde a cabeça”, a dúvida cresce, a culpa corrói tudo, fica “fora” da realidade. Tudo à sua volta deixa de existir para ela, é consumida por esta deformação da realidade. A insegurança sempre presente, angustiante, que leva a este alheamento, à alienação.

O filme constrói-se a partir deste transtorno, das fendas que se abrem na realidade daquela mulher. María Onetto é sublime a representar esta luta, entre a realidade e o delírio, vacila entre a verdade que os outros lhe contam sobre o acidente e o “rasgão” na sua consciência que a leva para um mundo de pesadelo que a inteligência de Lucrecia Martel sublinha a partir da relação da personagem com os pequenos nadas do dia-a-dia.

O Cinema formalista da realizadora argentina que nos mostra uma situação profundamente ancorada no realismo, mas que é “puxada” para uma estranheza quase insana, de onde a realidade “foge”. Grandíssimo filme. (em "oceuoinfernoeodesejo.blogspot.com"

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Um filme sem pés nem cabeça

E.Santos...

Porque este é um filme levado a ombros pela critica especializada...e porque críticos devemos ser todos (embora poucos o queiram ser porque é mais confortável que alguém nos diga o que devemos pensar)...permitam-me manifestar o meu desacordo com a posição institucionalizada...OBRA-PRIMA?... Que me desculpem os alegados pseudo-intelectuais...este é um filme chato, sonolento, sem qualquer interesse para além de o de criar um estado de letargia no espectador semelhante ao dos responsáveis por tal produção. A dado momento comecei a desejar que alguém entrasse na sala e me guilhotinasse a cabeça, tal a dose de sofrimento...
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La Mujer Sin Cabeza

Carlos Natálio /c7nema.net

A primeira delícia de “La Mujer Sin Cabeza”, terceira longa-metragem da argentina Lucrecia Martel, foi a muito contestada recepção na edição de 2008 do festival de Cannes. Público, crítica, tudo ficou de cabeça feita num oito, sem perceber nada, sendo que os mais bondosos lá se socorreram do “velhinho” Antonioni para situar este aparente marasmo aburguesado. Mas se virmos bem, outra reacção não seria de esperar sobre um trabalho que reflecte precisamente sobre os mecanismos da percepção humana e suas dissonâncias com o exterior. Se a sua protagonista, a dado momento, “perde a cabeça” e tudo o que a rodeia deixa de fazer sentido, qual seria a melhor forma de tudo isso espelhar, senão através de um enorme mapa de desorientação audiovidual?Veronica (Maria Onetto), dentista de meia idade, faz uma pequena viagem de carro e, distraindo-se por um momento para atender o telemóvel, embate em algo. O estremeção é violento e pára um momento, atordoada, recomeçando o caminho pouco depois. Pelo espelho retrovisor vemos ao longe o que poderá ser um cão que atropelou. Mais à frente, Vero pára e sai do carro. A câmara fica no seu interior e vemos apenas o seu corpo, com o rosto já oculto, ainda a recuperar do susto. Começa a chover e num baptismo de tormenta, Vero, passa à “mujer sin cabeza” do título. O filme começa então e todo ele é de um atordoamento que não lhe passa nunca mais.A partir daqui, o set up surrealizante podia ser exterior, como o homem sem nariz de Gogol, por exemplo, mas Lucrecia internaliza-o, desfocando a percepção que Vero tem do seu quotidiano. Nos dias seguintes não fala do assunto, evita o marido e progressivamente não sabe o que fazer, que ordens dar aos seus criados. Toda a gente é “tan rara”, como diz Lala, sua mãe, em adiantado estado de senilidade. Sobretudo porque o seu sangue está estancado. “No se duerma”, aconselha uma paciente no hospital. E no fundo, todo o problema de Verónica é, precisamente, de fluxo sanguíneo adormecido, transmutado em circulação da água: a água que baptiza e purifica, a água que está turva, a água que não pode molhar o cabelo e que pode matar a tartaruga da piscina; ainda a água inerte do canal entupido por razões misteriosas. À medida que os laços com a realidade se vão tornando mais soltos, Vero surge prostrada, dolente, na cama, no carro, sempre assistindo dormente ao seu quotidiano, como se de um filme incompreensível se tratasse. Essa é a forma de Lucrecia exteriorizar o interior em ebulização da sua protagonista. Como se a velocidade do dia-a-dia e das pequenas coisas não coincidisse com a forma como a protagonista se apercebe e se incorpora nessa realidade. E a sua distorção de percepção é também a do espectador. Naquilo que se vai sabendo a conta gotas, no fluir de frases in media res que ligam lentamente Vero ao real. Nesse sentido, somos lançados num abismo de ligações visuais e auditivas que ajudam a reconstruir a trilha psicológica e histórica da sua protagonista. Do estilo de Lucrecia sobressai essa mesma desorientação: na recusa dos planos espaciais, explicativos, que exigem do espectador que infira pelo diálogo, pelo som, tudo o que não está lá, todas as relações entre personagens ou situações narrativas. Na composição dos planos, Vero surge sempre em foreground, background ou entre acções (curiosa a forma como essa relação é mimada na forma de ver os homens: atrai o amante - o cá-, afasta o marido - o lá -, e a “invasão” carinhosa do irmão - o entre). Mas nunca chega a ser o centro activo de acção, antes sempre solicitada por estímulos. Se o seu foco de atenção/percepção muda constantemente, o nosso fá-lo também com uma campainha, um miúdo que passa ou uma criada que entra. Perante a inacção de Verónica, todos os elementos do real se agigantam, conferindo-lhes uma dimensão de omniprotagonistas. Paradoxo do real sem foco é ele poder ser assim desordenadamente surreal. Só por estas razões, por este cinema como estado de perplexidade interior e de esforço de resistência causados no espectador, “La Mujer Sin Cabeza” já seria uma obra-prima. Perplexidade que traz as questões: a realidade é isto? é tudo isto?; ou só isto? À medida que as ideias vão assentando (como o copo de água turva no hotel, a seguir ao acidente), Vero começa a desconfiar que poderá ter atropelado um ser humano e não apenas um cão. Assim como nunca tinha sido um filme sobre amnésia, o filme de Martel também não se converterá numa reflexão sobre a culpa, nem sequer sendo importante o que estava lá ao longe naquele plano do retrovisor. Seja um erro de percepção ou uma morte negligente, ganha dimensão antes o que uma classe familiar faz para esquecer essa possibilidade. “Es un perro”, repete o marido quando voltam ao local para averiguar. Esse facto completamente esquecido entre prendas de casamento e inaugurações de piscinas deixa mascarada uma oposição de classes. O “chango” desaparecido pode rapidamente ser substituído por outro na loja de vasos. Lembremos a oposição inicial entre os jovens burgueses enclausurados nos carros, imunes à realidade, e essoutros de classe inferior que correm e se sujam pelo campo. Ou o valor da morte: o choque de Vero que atropela um cão contraposto à prontidão com que uma das suas criadas se oferece para esfolar um animal que o o seu marido matou. Em tudo o mais “La Mujer Sin Cabeza” continua a ser plenamente o cinema de Lucrecia Martel. Os locais exíguos são os espaços de contaminação onde evolui uma certa promiscuidade das relações familiares: o pântano, a piscina, os quartos são os pontos de contacto onde a proximidade adensa pulsões interiores e o contacto dos corpos. Nessa proximidade, a tarefa de auto-descoberta identitária de cada um torna-se mais flagrante. A descoberta sexual e espiritual de “La Nina Santa” dá aqui lugar ao élan lésbico da sobrinha pela tia (“as cartas de amor são para se responder ou para se devolverem”) ou à própria relação adúltera que Vero mantém com o primo. Quando as confirmações do dia da tormenta, o dia fatídico, se vão desmentindo (tudo o que se passou “es vero?”), é tempo para novo baptismo, e Vero, antes loura, surge agora de cabelo negro, em aberta homenagem a essoutro desfasamento identitário de Kim Novak em “Vertigo”. Assim, a dita cabeça “solta” da realidade vai começar a colocar-se lentamente de novo sob os ombros. Mas essa integração não é completa. Por isso, o último plano de Vero na reunião familiar de sexta à noite surge desfocado e entremeado por um vidro. Mais uma vez, a argentina filma o “ainda” e o “já não”, com a esperteza de uma criança ousada.
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