4 estrelas
José Miguel Costa
Roubaix, que faz fronteira com a Bélgica, é uma das mais carenciadas e problemáticas cidades francesas, em acelerado processo de decadência urbana/descaracterização, que vive das memórias de um passado próspero, sem esperança num futuro menos decadente, tal é a incidência de pobreza (quase endémica), desemprego, toxicodependência, emigração ilegal e criminalidade. <br />É a casa do realizador Arnaud Desplechin, e talvez por isso a trate como uma espécie de personagem (principal), em detrimento de um mero cenário povoado por "figurantes", no seu filme "Roubaix, Misericórdia". <br />Um outro protagonista é o solitário e enigmático comissário Daoud (Roschdy Zem), descendente de emigrantes argelinos, que comanda uma esquadra num dos bairros menos simpáticos, com um profissionalismo imaculado e sem grandes tensões com a população local, que conhece e respeita como nenhum outro (e, por isso, também é respeitado - e simultaneamente temido - mesmo pelos bad boys), por aí ter vivido desde petiz. As suas idiossincráticas caracterisficas de carácter e de ponderação/assertividade quase o transformam, inclusive junto dos colegas de profissão, numa omnipresente divindade pragmática/intuitiva, sempre disponível para o Outro (e, em simultâneo, um ser algo inacessível ao nivel das relações pessoais privadas). <br /> <br />O "romance" conturbado entre estes dois "amantes" decorre sob uma ambiência de filme policial minucioso e cru, impregnado de realismo social e humanismo (divergindo, desse modo, da perspectiva tradicional deste género cinematográfico que, por norma, expira adrelina e suspense), com uma narrativa centrada na investigação do assassinato de uma idosa isolada no seu domicilio (que no fundo serve de mote para escrutinar, sem panfletismos politicos e/ou sociológicos, as cicatrizes da cidade).
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