Primeiro amor
Fernando Oliveira
O homem em 30 anos realizou mais de uma centena de filmes, uma obra anárquica que toca todos os géneros, desde os musicais aos filmes de terror, desconstruindo as convenções de cada um de forma quase terrorista. Personagens bizarras em situações estapafúrdias, a subversão como método de atordoamento... O homem, Takashi Miike, não quer saber das “regras” para nada, parece gostar apenas da falta delas. <br />Ora esta ideia vem muito mais do que tenho lido sobre os seus filmes, pouco de os ter visto: embora presença regular no Fantasporto, apenas uma mão cheia de filmes estreou comercialmente em Portugal – vi apenas “Uma chamada perdida” de 2003, e “Box”, episódio de “3… Extremos”. No entanto no final do ano passado estreou este “Primeiro amor”, poucas semanas antes do segundo encerramento das salas de Cinema. <br />Parece ser um uma derivação dos cineasta para narrativas muito mais realistas, um filme que, pese embora o titulo, cai pouco para o lado do melodrama, embora use o “movimento” da relação daquela rapariga vendida pelo pai a um grupo criminoso do submundo de Tóquio sendo obrigada a prostituir-se como paga das suas dividas, e um jovem boxeur que descobre que vai morrer e a salva quando esta tenta fugir, como uma espécie de âncora que prende a história nesse realismo deslumbrante das noites de Tóquio, mas também na violência que as encharca, violência física e emocional. Parte de um confronto entre os yakuza e as tríades chinesas, também instaladas na capital nipónica, e como um golpe, uma traição, é elaborada por um dos membros do primeiro grupo para, com a ajuda de um policia corrupto, se apoderar de uma remessa de drogas, culpando a rapariga e as tríades. Mas a rapariga delira, a imagem do pai “aparece-lhe” como uma assombração, é durante um desses episódios que ela foge ao policia corrupto e que o rapaz a salva. Ele é Leo, a ela chamam Monica, mas chama-se Yuri. <br />Depois o filme torna-se violento, enquanto o casal tenta sobreviver à perseguição e os confrontos entres os criminosos vão subindo até ao quase delírio do confronto final; e, surpresa, Miike mantém as lutas num registo que foge ao excesso, aos rituais coreografados, primitivas, a lembrarem algum Cinema americano da década de setenta e oitenta. Não são nada comuns no Cinema moderno os combates corpo a corpo encenados da forma que Miike o faz neste filme. Não deixa de ser um filme em que a tentação de fazer “bonito” tira algum peso dramático à história, mas o “olhar” do realizador continua a ser suficientemente subversivo para nos cativar. <br />E Leo e Yuri? Vão viver felizes para sempre? Afinal é o primeiro amor dos dois. Ele descobre que não está a morrer – foi engano médico – e ficam juntos. Num plano final estranho, filmado de longe, eles entram juntos num apartamento minúsculo. A vida pode ser dolorosa, mesmo quando amamos.
Continuar a ler