(Des)esperança
Rita Almeida (http://cinerama.blogs.sapo.pt/)
Existe uma certa tendência para retratar o futuro da Humanidade como um meio asséptico, mecânico e frio, distanciando-o tanto da nossa realidade que quaisquer catástrofes nos parecem inverosímeis. Mas a Londres de 2027 de Alfonso Cuarón ("Y tu Mamá También", 2001) é perfeitamente reconhecível, o que torna esta visão distópica sobre uma sociedade totalitária à beira da derrocada bastante mais perturbante e assustadora. Em todos os cantos se acumulam quantidades impressionantes de lixo, os prédios estão em ruínas, tropas armadas patrulham as ruas, e gaiolas públicas enchem-se de emigrantes antes que os mesmos sejam enviados para campos de concentração. É a criminalização destes estrangeiros que garante a lealdade popular.<BR/><BR/>Este cenário de desolação é agravado pela condição de infertilidade da espécie humana. A consternação é geral quando, em Buenos Aires, Diego, de 18 anos, a pessoa mais jovem do mundo, é assassinado. É num contexto de ausência de futuro e de esperança que se desenrola a acção de "Children of Men", baseado no romance de 1993 de P.D. James.<BR/><BR/>Theo (Clive Owen) é um ex-activista agora integrando a máquina burocrática do Ministério da Energia. Theo é raptado por Julian Taylor (Julianne Moore), líder do grupo terrorista Fishes. Mas Julian é também ex-mulher de Theo e mãe do seu falecido filho Dylan (uma tragédia pessoal que explica o seu problema com o álcool). Por exigência do grupo, Theo deverá garantir que a jovem emigrante Kee (Clare Hope-Ashitey) chega em segurança até ao Projecto Humano, uma organização secreta que ninguém tem a certeza de existir. Theo aceita esta missão com relutância até descobrir que esta jovem se encontra grávida e detém o segredo para a sobrevivência da espécie humana.<BR/><BR/>Quem ficou impressionado com a cena inicial de "Saving Private Ryan", de Steven Spielberg, irá certamente encantar-se com a batalha final de "Children of Men" e com o retrato realista de um cenário de combate. Como se de um documentário de guerra se tratasse, Cuarón filma de câmara na mão, com toda a segurança de um grande realizador. O espectador é colocado no meio do caos e violência através de um excelente design de produção e de "takes" longos, adensados pelos sombrios azuis e cinzentos da fotografia de Emmanuel Lubezki.<BR/><BR/>A interpretação de Clive Owen é hermética, mais do que o habitual, entrando num contraste óbvio com o efusivo "hippie" do sempre grande Michael Caine. Os secundários são liderados por um complexo Chiwetel Ejiofor ("Melinda and Melinda", 2004) e um divertido Peter Mullan ("Young Adam", 2003).<BR/><BR/>"Children of Men" parte de uma perturbante premissa. Num futuro cru o frio, o desespero é a nota dominante. E se é verdade que enquanto há vida há esperança, não é menos verdade que enquanto há esperança há vida. Nota: 7/10.
Continuar a ler