Gravidade
Fernando Oliveira
ESCRITO NA ALTURA DA ESTREIA: <br />O título do filme, “Gravidade”, refere não aquilo que é narrado, mas sim um desejo. Só e desesperada no espaço, as seiscentos quilómetros de altitude, em suportes frágeis e em contínua destruição, a personagem que Sandra Bullock interpreta vai lutar para sobreviver e tentar chegar à Terra. Onde há gravidade. <br />Teria de ser, portanto, um filme em que Cuarón conseguisse conciliar a ideia de um espaço vazio e infinito, com a magnífica visão da Terra que parecendo tão perto está ao mesmo tempo tão longe; com a sensação de deslumbramento, mas ao mesmo tempo de imensa fragilidade, mesmo de medo, que quem numa situação destas terá, quase de certeza, de sentir. <br />É verdade que os primeiros minutos do filme são absolutamente magníficos, com o realizador a utilizar o 3D para nos fazer ver e sentir como nunca antes a ideia da imensidão, e também da dificuldade de dimensionar o vazio do espaço fora da atmosfera terrestre. Isto tendo como pano de fundo imagens assombrosas da Terra olhada do espaço. Só que este rigor quase documental que dá a ver sem quase contar nada confronta-se com aquilo que me parecem ser alguns erros básicos: por exemplo, a área de uma hipotética esfera envolvendo a Terra a seiscentos quilómetros é enorme, parece-me pouco provável que o Hubble, a EEI, e a Estação Espacial Chinesa estejam tão próximas umas das outras; já lá vão muito anos, mas se bem me lembro das aulas de Física, no espaço sem atmosfera, quando se aplica uma força a um objecto, ele vai deslocar-se em linha recta a uma velocidade constante até encontrar uma força contrária, parece-me pouco provável que uma explosão criasse uma reacção em cadeia daquela maneira, qualquer fragmento cairia na atmosfera ou deslocar-se-ia para o espaço exterior, não orbitava a Terra a uma velocidade louca; há mesmo a procura do efeito fácil, no fim vemos os restos da EEC a arderem quando entram na atmosfera, esta visão está atrasada em relação ao que aconteceu antes. <br />Mas o problema maior do filme está na incapacidade que Cuarón demonstra de transmitir convenientemente o medo, o desespero, a ansiedade de se saber numa situação onde a possibilidade de resgate está perto do impossível que a personagem sente. Quase nunca se sente o peso da imensidão que a rodeia. Arranja uma história desnecessária com a memória da perda de um filho (embora evite o efeito fácil de nos fazer visualizar essas memórias); enxerta um delírio completamente ridículo com o colega que tinha morrido no acidente (quando deliramos não nos lembramos de coisas que desconhecemos); e mesmo tendo o mérito de evitar algumas armadilhas que cairiam para o efeito fácil, faz um filme de aventuras onde o suspense quase não se sente, quando, julgo, queria um filme de suspense que sentíssemos vindo da aventura contada. A pior surpresa vem do desempenho de Sandra Bullock, uma actriz muitas vezes notável – não sei o que é que a senhora fez com a cara, mas aqui é quase inexpressiva, o que, mesmo que o realizador estivesse para aí virado, anula qualquer hipótese de intimismo num filme que em boa parte da história, muito dele necessita. <br />É um filme visualmente muito bonito, mas falhado na arte de contar uma história com as imagens e com os sentires que a personagem nos deveria transmitir. <br />Há dez anos “Open water” mostrou-nos de forma extraordinária a sensação de terror absoluto que é sentir a aproximação da morte num ambiente donde, sentimos no nosso âmago, não conseguimos escapar. Este “Gravidade” não o consegue… <br />(em "oceuoinfernoeodesejo.blogspot.pt")
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