Uma escolha muito branda: a a liberdade vende bem
Rita Almeida (http://cinerama.blogs.sapo.pt/)
Querendo ser uma sátira à sociedade, à política, à exploração mediática e à manipulação de opinião, "Thank You For Smoking", baseado no livro de 1994 de Christopher Buckley, acaba por ser um filme que não se compromete com nenhum ponto de vista, terminando num olhar morno sobre algo que poderia ter facilmente a dimensão de um Michael Moore. A imparcialidade nem sempre tem mais força dramática. Nick Naylor (Aaron Eckhart) é porta-voz de um "lobby" tabaqueiro, defendendo os direitos dos indefensáveis gigantes corporativos. Um improvável herói, cuja moral pessoal está completamente obnubilada pelo seu dever laboral, e por um talento - a argumentação - que parece conduzi-lo inevitavelmente a trabalhar do lado dos "maus" (deliciosa interpretação de J.K. Simmons como patrão de Naylor).<BR/><BR/>Naylor reúne-se regularmente com os seus amigos Polly Bailey (Maria Bello) e Bobby Jay Bliss (David Koechner), os três auto-denominando-se "M.O.D. squad" (de "Merchants of Death"), a primeira promovendo as bebidas alcoólicas, o segundo as armas. Os três competem pelo maior número de mortes e trocam estratégias. Naylor pretende que Hollywood, na pessoa do agente Jeff Megall (Rob Lowe), recupere a imagem "sexy" dos cigarros no cinema, mas o seu verdadeiro desafio é um senador ambientalista, Ortolan K. Finistirre (William H. Macy), cuja retórica, no entanto, não constitui qualquer ameaça à excelência de Naylor.<BR/><BR/>O que é interessante em "Thank You For Smoking" é ver como um homem que consegue justificar-se perante um adolescente diagnosticado com cancro, consegue também levantar-se todos os dias e olhar-se no espelho, ou mesmo olhar nos olhos do seu filho Joey (Cameron Bright, "Birth"), para quem ele é um herói. Como ele mesmo explica, a sua profissão requer uma flexibilidade moral que não está ao alcance de todos.<BR/><BR/>Mas "Thank You For Smoking" tem muito pouco a ver com cigarros ou com os fundamentalismos, de um lado e de outro, do acto de fumar. É um filme sobre a manipulação e sobre os valores morais que estamos dispostos a vender para pagar os nossos empréstimos.<BR/><BR/>Na sua primeira realização, o filho do realizador Ivan Reitman evita o tom de sermão, procurando deliberadamente um equilíbrio de pontos de vista. O seu grande erro é ridicularizar personagens já de si pouco densas, evitando desconstruir as suas motivações, e, em consequência, enfraquecendo qualquer opinião que elas possam ter. E apesar da capacidade de Eckhart ("Suspeck Zero", "The Black Dalia") ser simultaneamente charmoso e execrável, eu, pessoalmente, estava bastante indiferente ao seu destino, redentor ou não.<BR/><BR/>Eu não sou fumadora, mas também não sou apologista de radicalismos (uma cidade americana já proibiu os cigarros em todos os sítios públicos ao ar livre - sim, ar livre!). E tinha a esperança que este filme viesse detractar a obsessão (não só) americana com o politicamente correcto, cujo extremo parece agora ser a imposição de um conjunto de medidas que, em vez de protegerem as liberdades de uns, se limitam a retirar liberdades a outros diferentes. O senso comum está fora de moda (ao contrário do neo-puritanismo) e o ser humano parece ter-se tornado incapaz de respeitar o próximo sem ser através de leis.<BR/><BR/>Jason Reitman é demasiado brando - direi até politicamente correcto - no retrato que faz de uma sociedade onde o peso do que se diz é bastante inferior à forma como se diz. Suponho que, estando-se a falar de cinema, uma máquina totalmente lubrificada com óleos promocionais, isso acabe por ser compreensível. Afinal de contas, o filme tem que ser vendido. É compreensível, mas não desculpável.<BR/><BR/>A liberdade de escolha é um valor essencial, mas não deve nunca ser usada como argumento para tudo - e para mim essa é a grande falha de conceito deste filme. Porque não vivemos isolados, e porque as nossas escolhas têm consequências sobre os outros e sobre o mundo. Nota: 5/10.
Continuar a ler