they don't make them like you anymore
joe strong
“O Solista”, de Joe Wright. Num texto (“Qual é o problema da teoria do cinema?”) em que “dispara” para todos os lados (filósofos, críticos, espectadores), I. C. Jarvie fala de manchas de cor: “Já há muito tempo que se argumentou decisivamente que nunca vemos manchas de cor, que vemos sempre pessoas e coisas”, numa declaração voltada para a apreciação / crítica fílmica, como espelha a conclusão do parágrafo, “O modo como o espectador compreende o filme é sem dúvida algo em que os estudiosos do cinema devem pensar, mas não ignorando a psicologia empírica.” As manchas são aqui “usadas” como um valor empírico, análogas aos borrões de tinta usados nos testes psicotécnicos. Da inversão desta “proposição” – ou pelo menos do seu [manchas de cor] reposicionamento dentro do esquema – há-de ter nascido “O Solista”, de Joe Wright.
O que acontece no filme é a mudança do espaço subjectivo, provocado pelas manchas de cor, do exterior para o interior do ecrã. Entendendo as ditas manchas como o material do qual se tece um comentário, o material de que se “constrói” a percepção fílmica, aqui é invertido o esquema, pois Wright tenta captar exactamente de Nathaniel Ayers (Jamie Foxx), músico sem-abrigo padecente de esquizofrenia, essa percepção adulterada / ambígua da realidade, a sua “versão” das manchas. E é nessa transmissão (e não só), do que seria o alheamento de Nathaniel da realidade, que peca a realização de Wright; o excesso de grandes planos é duplamente pernicioso – retira consistência à interacção entre Ayers e o jornalista que conta a sua história, Steve Lopez (Robert Downey Jr.), em que o “envolvente” seria fundamental para enfatizar os laços criados, e impede a exploração da sensibilidade ambígua da personagem de Foxx: na única tentativa (ignorando a voz off, parente pobre da exploração cognitiva das personagens e usado excessivamente) de tentar emprestar uma dimensão relevante à percepção do músico, numa analogia entre cor e som (num concerto), Wright não consegue mais do que adereçar a cena com uma “espécie” de animação dos programas de música, com feixes de luz em crescendo pelo ecrã, prolongando-se pelo espaço e desaparecendo – resquícios de um Kandinsky, numa simplificação demasiado evidente para ser louvável. De resto, a montagem é péssima; além do já referido exagero dos grandes planos (tendo como consequência a exaustão da estética campo – contra campo), o ritmo (na cena atrás apresentada é notório) imprimido é deficiente, descontínuo, seja por inabilidade na montagem (que é) como pelo argumento inconsistente sobre o qual se edifica a película – dispensável todo o envolvimento familiar de Nathaliel (desde o flashback ao aparecimento final da irmã – ainda que a história seja real, há que atentar ao que se inclui na narrativa fílmica), dispersivo e nefasto para o filme. Catheline Keener é sempre boa de se ver, e a dupla protagonista não peca por culpa própria.
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